Ameaças à Amazônia: como a política de extrema direita pode conduzir a floresta ao ponto de não retorno
Brasil de Fato
A relação entre a eleição de forças políticas de extrema direita e o aumento do desmatamento na Amazônia é alarmante, colocando em risco a biodiversidade e as populações tradicionais. Nos últimos anos, a Amazônia brasileira tem enfrentado um crescimento significativo no desmatamento e em práticas que ameaçam o equilíbrio ambiental da região, colocando em xeque a sua função como reguladora climática global.
Um estudo recente publicado na revista Campo-Território: Revista de Geografia Agrária identificou uma correlação direta entre o apoio eleitoral a políticos de extrema direita e a devastação da floresta. Segundo essa análise, a eleição de candidatos alinhados com agendas contrárias à conservação ambiental tem impacto direto na aceleração do desmatamento.
Se essa tendência continuar, os cientistas alertam que a Amazônia poderá alcançar um ponto de não retorno, comprometendo a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da maior floresta tropical do mundo.
O estudo destaca que, nas eleições presidenciais de 2022, houve uma clara divisão política nas ecorregiões do Brasil. Nas áreas do sul da Amazônia, conhecidas como o “Arco do Desmatamento”, predominou o apoio a Jair Bolsonaro, enquanto as regiões mais preservadas ao norte concentraram o apoio à centro esquerda. Essa divisão não é meramente uma questão de opinião política, mas está associada diretamente ao nível de degradação ambiental observado nessas áreas.
Os dados revelam uma relação significativa entre a proporção de votos para Bolsonaro e o desmatamento acumulado na Amazônia Legal entre 1985 e 2001. Em municípios dessa região, quanto maior foi o percentual de votos para o ex-presidente de extrema direita, maior foi a perda de floresta nos 36 anos anteriores a essa eleição.
Nos municípios da Amazônia Legal onde Bolsonaro venceu, a média de vegetação nativa desmatada foi de 19,9%, quase três vezes maior que a média de 6,3% nas localidades onde Luiz Inácio Lula da Silva obteve a maioria dos votos. Esse fenômeno é evidenciado por um coeficiente de correlação estatisticamente relevante, reforçando a associação entre desmatamento e apoio à extrema direita.
As práticas que impulsionam a devastação da Amazônia incluem a grilagem de terras públicas, a mineração ilegal em territórios indígenas, a extração descontrolada de madeira e o aumento do uso de agrotóxicos. Essas atividades ilegais são agravadas por políticas que incentivam a flexibilização das normas ambientais, resultando em conflitos agrários e na expulsão de comunidades tradicionais.
Durante o governo Bolsonaro (2019-2022), a taxa de desmatamento na Amazônia superou os 10 mil km² por ano, um patamar não observado desde 2008. Em comparação, a área desmatada durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014) foi significativamente menor, demonstrando um aumento expressivo de 208% no ritmo de destruição sob a administração bolsonarista. Essa alta é indicativo das mudanças nas políticas públicas que favoreceram atividades econômicas predatórias em detrimento da preservação ambiental.
Corrida eleitoral
As eleições municipais de 2024 na região amazônica reforçam essa tendência de avanço das forças de direita e centro direita. O resultado do primeiro turno em várias capitais revela uma prevalência de candidatos com agendas pouco comprometidas com a preservação ambiental, como observado em Belém, onde Delegado Eder Mauro (PL) vai disputar o segundo turno contra Igor Normando (MDB), e em Manaus, onde Capitão Alberto Neto (PL) enfrentará David Almeida (Avante).
Candidatos conservadores também se destacaram em outras capitais: Tião Bocalom (PL) foi reeleito em Rio Branco no primeiro turno, Arthur Henrique (MDB) em Boa Vista e Dr. Furlan (MDB) em Macapá, todos com plataformas políticas que tendem a favorecer o desenvolvimento econômico mesmo que às custas de maiores impactos ambientais. Em Palmas, Janad Valcari (PL) segue para o segundo turno contra Eduardo Siqueira Campos (Podemos), consolidando a ascensão de partidos de direita na região.
Esse cenário se repete em municípios considerados prioritários para ações contra o desmatamento, conforme monitoramento do Ministério do Meio Ambiente. Entre os 70 municípios analisados, 69 elegeram seus prefeitos no primeiro turno, e apenas duas prefeituras foram conquistadas por partidos de esquerda: Macelly Veras (PDT), em Maués (AM), e Mansão (PSB), reeleito em Bom Jesus do Araguaia (MT).
As outras 67 prefeituras foram divididas entre União Brasil (21), MDB (18), PL (6), Republicanos (6), PP (6), PSD (6), PRD (2), Podemos (1) e Avante (1). Essa distribuição evidencia a predominância de uma agenda política que pode comprometer ainda mais
A continuidade dessas políticas de desenvolvimento sem preocupações ambientais pode levar a Amazônia ao ponto de não retorno, um estado crítico em que mudanças mínimas podem desencadear transformações irreversíveis no ecossistema.
Segundo especialistas, se o desmatamento continuar avançando nos níveis atuais, a Amazônia perderá sua capacidade de atuar como um regulador climático global, acelerando os efeitos das mudanças climáticas e impactando negativamente a produção agrícola, a disponibilidade de água e o equilíbrio dos sistemas naturais.
A situação atual na Amazônia destaca a necessidade urgente de se repensar a escolha de lideranças políticas que sejam comprometidas com a preservação ambiental e os direitos das populações tradicionais. É crucial que políticas públicas sejam estabelecidas para garantir a sustentabilidade a longo prazo da floresta, protegendo sua biodiversidade e as comunidades que dela dependem.
O avanço da extrema direita na região mostra que a luta pela conservação da Amazônia será um desafio ainda maior, exigindo uma mobilização ampla da sociedade civil, de organizações não governamentais, e uma pressão contínua sobre os governos locais e internacionais para frear a devastação.
As eleições de 2024 revelaram uma preferência por líderes que favorecem políticas de desenvolvimento com menor restrição ambiental, tornando imperativo o fortalecimento de uma oposição que defenda a floresta e as futuras gerações.
* Wallisson Rodrigues é cientista social pela Universidade de Rondônia, especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato