Nem Trump, nem Kamala: para analistas, causa palestina não deve avançar com próximo presidente dos EUA
Brasil de Fato
O ano de 2024 com o genocídio em curso na Faixa de Gaza talvez tenha sido o mais traumático para a Palestina desde a nakba (tragédia) de 1948, quando a criação de Israel levou ao despejo de centenas de milhares de famílias. Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, no entanto, enxergam pouca chance de melhoria para esse povo caso os Estados Unidos elejam Kamala Harris ou Donald Trump como presidente no próximo dia 5.
Arturo Hartmann, pesquisador de Relações Internacionais e membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe (CEAI-UFS) e Mohammed Nadir, coordenador do Laboratório de Estudos Árabes da UFABC (LEA-UFABC) concordam que nenhum dos dois deve brecar a sanha israelense, mas reconhecem que Trump pode ser ainda pior para palestinos.
“Muito da atual conjuntura foi arquitetada por políticas externas de quando Trump estava no governo. Ele desenhou um enquadramento de normalização dos países árabes com Israel, por meio dos Acordos de Abrãao, que almejavam incluir a Arábia Saudita e, por ora, incluem Bahrein, Emirados Árabes, Marrocos e Sudão”, diz Hartmann.
Um dos motivos alegados pelo Hamas para os ataques de 7 de outubro era justamente impedir que os sauditas normalizassem relações com israel, movimento visto como capaz de sepultar a causa palestina. “Os Acordos de Abraaão foram um sucesso diplomático sem precedentes da gestão Trump. Eles ocorrem às custas da causa palestina”, diz Nadir.
“Trump levou a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, o que contraria as leis internacionais, porque esta é uma cidade disputada e nenhum desses países [signatários] condicionou o acordo à solução para a Palestina. De certa forma ele assassinou a questão palestina”, completa o analista.
Nadir acredita que um novo mandato de Trump “seria uma tragédia para os palestinos”. Já Hartman diz que o ex-presidente “não se cansa de dizer que a guerra não teria ocorrido”.
“Isso porque ele se baseia numa visão alucinógena sobre si, como alguém respeitado por todas as partes, misturado a uma arrogância imperial empreendedora”.
A democrata Kamala Harris
Ambos concordam que sinais de uma futura administração de Kamala podem ser intuídos ao se analisar os governos de Barack Obama (2009-17). Ou seja, progressista à primeira vista, mas na prática, aliado incondicional de Israel.
“O entusiasmo a respeito de Kamala é puro anti-trumpismo. Há elementos como gênero e raça que contribuem para o fascínio sobre sua candidatura, aliado ao horror que muitas partes do mundo, como a Europa, sentem de Trump, com sua política errática”, diz Nadir.
Ele classifica a candidata democrata como “ambivalente”. Se por um lado, Kamala pede a não escalada do conflito para a região, por outro, apoia incondicionalmente o “direito de defesa” de Israel, o que na pratica, segundo Nadir, significa uma “carta branca para uma guerra sem limites” contra palestinos, tanto em Gaza como na Cisjordânia. “Ela parece incapaz de parar a guerra, não tem capital pessoal, simbólico ou politico para conter Israel.”
Já Arturo Hartmann aponta que a única diferença tática que os democratas podem ter com Israel é que Washington “gostaria que a Autoridade Nacional Palestina de Ramallah governasse Gaza depois da interrupção do esforço de limpeza, equanto Israel preferiria recolonizar o território”.
O Irã e a questão chinesa
Os analistas concordam que uma diferença entre as duas candidaturas é que o republicano pode tornar o Oriente Médio ainda mais volátil por ser abertamente mais hostil ao Irã. “Trump permitiu o assassinato [por Israel] do general Qasem Soleimani, chefe da Guarda Revolucionária Islâmica, em 2020”, lembra Nadir.
Hartmann diz que Trump poderia acirrar a pressão sobre o Irã, o que significaria, hipoteticamente, que “embarcasse em operações militares mais ousadas do que os democratas contra Teerã”.
Um dado central para ambos é a entrada da China no Oriente Médio com sua rota Belt and Road – conhecida como a nova rota da seda – , que sai da parte ocidental da China, passa por Quirquistão, Uzbequistão, atravessa o Irã para atingir a Turquia. Nesse contexto, a China vai buscar agregar outros países, como Arábia Saudita.
Nesse contexto, a aproximação entre Teerã e Riad mediada por Pequim, teria ocorrido porque esses dois países oferecem vantagens estratégicas em termos de petróleo e localização na Ásia. “Um dado central para qualquer governo dos EUA é que o principal vetor de ação para políticas no Oriente Médio é interromper qualquer sucesso que os chineses possam ter em se inserir na região. Por isso, podemos dizer que avanços israelenses sobre o Irã seria também uma política desejada pelos EUA, não importa o governo”, conclui Hartmann.