Câmara aprova alteração regimental para fortalecer combate à violência política; texto empodera mesa diretora e Lira

Brasil de Fato

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em votação quase unânime, a proposta que altera o regimento interno da Casa para endurecer as penalidades a parlamentares que quebrem o decoro e tentar conter a escalada da violência política. O texto que recebeu sinal verde é o parecer do deputado Domingos Neto (PSD-CE) sobre o Projeto de Resolução (PRC) 32/2024, de autoria formal da mesa diretora da Casa. O novo dispositivo foi promulgado durante a própria sessão, logo após a votação, e já passa a compor as regras internas.

Todas as bancadas orientaram os membros a votarem favoravelmente à medida, mas alguns parlamentares de forma isolada divergiram. O placar terminou em 400 votos favoráveis ao PRC e 29 contrários, com uma abstenção, sendo esta manifestada por Ricardo Sales (PL-SP), ex-ministro do governo Bolsonaro.

As divergências vieram de nomes das siglas Avante, Cidadania, MDB, PDT, Podemos, PP, PRD, PSD, PSOL, PT, União Brasil e PL, sendo esta última a sigla que abriga alguns dos principais parlamentares envolvidos nos episódios mais emblemáticos de violência política já registrados na Casa.

Pelo regramento atual, o Conselho de Ética pode impor quatro tipos de penalidades a parlamentares que infrinjam o decoro parlamentar: censura verbal ou escrita; suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses; suspensão do exercício do mandato por até seis meses; e perda de mandato. O relatório de Domingos Neto inclui no regimento da Casa a possibilidade de a mesa diretora propor ao conselho a suspensão cautelar de um parlamentar por seis meses. A norma valerá para representações apresentadas pela própria mesa, conduzida pelo presidente. Na sequência, o conselho deve julgar o caso e se pronunciar dentro de 72 horas, sendo permitida apresentação de recurso ao plenário caso haja divergências em relação à deliberação tomada pelo colegiado.

O texto original do PRC propunha que o próprio presidente da Câmara, que comanda a mesa diretora, pudesse suspender de imediato um mandato, mas a ideia foi bastante alvejada por parlamentares de diferentes grupos políticos e acabou naufragando em meio às negociações partidárias. A versão do relator traz, então, uma redução dos poderes inicialmente concedidos a Lira, embora amplie, em relação ao regramento anterior, o empoderamento da mesa diretora, que é comandada pelo presidente da Casa.


Arthur Lira durante sessão de votação do plenário da Câmara nesta quarta-feira (12) / Mário Agra/Câmara dos Deputados

“Uma coisa que todos compreenderam é que nenhum de nós, nenhum partido – esquerda, direita ou centro – está satisfeito com os atos que vêm acontecendo na Câmara dos Deputados. E todos também concordam que algo precisa ser feito, e de imediato, visto que os instrumentos hoje do regimento interno e do Código de Ética não têm sido suficientes para barrar esses inúmeros desrespeitos à sociedade que têm acontecido aqui na Câmara”, disse o relator, em entrevista à imprensa. 

Esquerda

Na bancada do PT, apenas o deputado Pedro Uczai (SC) votou contra o texto. Já entre os psolistas, Fernanda Melchionna (RS), Glauber Braga (RJ) e Sâmia Bomfim (SP) rejeitaram a proposta, enquanto os outros nove membros da legenda que estiveram presentes na votação aprovaram o PRC. “A maioria da nossa bancada entendeu a importância do voto favorável diante da mudança significativa do texto de ontem pra hoje. O texto de ontem era muito ruim. O texto de hoje é fruto de incidência, debate, perseverança, negociação. Ganha um tom de razoabilidade e não dá ao presidente um superpoder, como ontem”, disse o Pastor Henrique Vieira (RJ).

O parlamentar afirmou ainda que o grupo rejeita a ideia de que haja “dois extremismos no parlamento brasileiro”. “Algumas discussões podem ser mais acaloradas. Agora, outra coisa é transfobia, racismo, exaltação de tortura, é atualização do fascismo no século 21. [Votamos] favoravelmente, com essa observação”, acrescentou.

Cenário

O debate sobre o PRC 32/2024 vem à tona no contexto de aumento da violência política entre parlamentares e também após um período de esvaziamento funcional do Conselho de Ética. Criado a partir de uma resolução de 2001, o órgão tem a competência de avaliar procedimentos disciplinares contra deputados que eventualmente sejam denunciados por descumprimento do decoro parlamentar. Apesar disso, na história recente do Legislativo, o Conselho de Ética da Câmara tem se convertido em um palco de grandes acordos multilaterais que salvam, de um lado, parlamentares da direita e da extrema direita que se excedem nos debates e, de outro, liberam também alguns membros do campo da esquerda de eventuais penalidades.

No ano passado, por exemplo, foram protocoladas no conselho 29 representações contra deputados, um número recorde, se considerada a marca dos primeiros anos de legislatura. Desse total, 24 foram arquivadas, com apenas uma delas tendo resultado em penalidade – no caso, uma censura escrita. Entre as outra cinco, uma terminou com a deliberação de pena de censura verbal para o deputado Abílio Brunini (PL-MT). As demais ainda estão tramitando ou foram prejudicadas por outras razões. Nos bastidores, parlamentares de diferentes colorações partidárias veem essa configuração como um sinal verde para novas ocorrências de violência política.

Sem a colocação de limites por parte da presidência da Casa, os episódios de violência fermentaram nos últimos anos, contabilizando um total de 133 ocorrências envolvendo deputados entre janeiro de 2019 e maio deste ano. O dado foi computado pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), segundo o Brasil de Fato revelou no último sábado (8). O cenário viveu o seu ápice na semana passada, quando diferentes ocorrências ganharam os holofotes.

Em uma delas, durante um debate exasperado na Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Casa (CDHM), a veterana Luiza Erundina (PSOL-SP) teve um mal-estar e chegou a ser hospitalizada. Em outra, André Janones (Avante-MG) e Nikolas Ferreira (PL-MG) brigaram no Conselho de Ética e partiram para cima um do outro, no que se foram separados por seguranças, assessores e outros parlamentares para que se evitasse violência mais grave. Os episódios provocaram uma onda de manifestações por parte de lideranças de diferentes partidos que defenderam a colocação de limites mais rígidos por parte da Casa diante do clima de crescente antagonismo, até que, na terça (11), Lira apresentou às bancadas o PRC 32/2024.

Da Redação