Sonário das Cozinhas: ferramenta traz mapas e biblioteca sonora de cozinhas solidárias em Porto Alegre

Brasil de Fato

Um café sendo passado, o sopão sendo servido e muitas conversas ao redor do fogão: esses são alguns dos sons que compõem o Sonário de Cozinhas-Território, plataforma que apresenta um mapeamento cartográfico e narrativo de cozinhas solidárias ligadas a movimentos populares em Porto Alegre. 

O projeto é uma iniciativa do Margem_Laboratório de Narrativas Urbanas, do Laboratório Encruzilhada (ambos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS) e do Nonada Jornalismo, Organização da Sociedade Civil que atua na área do jornalismo e da cultura.

“O sonário é uma construção a várias mãos, contou com pesquisadores da universidade, com a sociedade civil, com os movimentos sociais e também com a participação ativa das cozinhas na seleção dos sons. A ideia era trazer um pouco desse ambiente da cozinha, com conversas ao redor do fogão, e falas de luta e também de poesia que surgem nesses espaços, principalmente nas vozes das mulheres que estão na linha de frente dessas iniciativas”, afirma Thaís Seganfredo, diretora de jornalismo do Nonada.

De acordo com os realizadores, as cozinhas solidárias estão fazendo a diferença na emergência climática pela qual passa o Rio Grande do Sul. Além de somarem-se ao desafio de alimentar as pessoas desabrigadas, elas vêm atuando como espaços de convergência social, formando redes de sustentação e ações urgentes. 

Conforme apontam, as iniciativas surgem em territórios precarizados pelo Estado, áreas que foram mais afetadas pelas águas e com históricos de perdas em diversas dimensões. Mesmo após as águas baixarem, o trabalho segue, uma vez que muitas pessoas nos territórios perderam os empregos ou estão em situação de insegurança alimentar.

Seganfredo pontua que o sonário também é um modo de organizações da sociedade civil conhecerem essas cozinhas e as necessidades delas. “Muitas precisam de equipamento qualificado e melhorias na infraestrutura. O projeto vai continuar em uma próxima etapa para fornecer apoio técnico de qualificação às cozinhas”, destaca.

Sobre o projeto

O Sonário de Cozinhas-Território busca dar passagens aos testemunhos recolhidos em seis cozinhas vinculadas a movimentos populares: Cozinha Barracão, vinculada ao Levante da Juventude; Cozinha Azenha e do Lami, vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST/RS); Cozinha Art&Mãe e Cozinha das Pretas, vinculadas ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM/RS); e Cozinha Vida Nova, vinculada ao movimento União Nacional por Moradia Popular (UNMP/RS).

O mapeamento foi realizado a partir de rodas de conversa nos territórios das cozinhas. A maioria dos relatos traz memórias de vida que caracterizam a desassistência do Estado, com táticas de sobrevivência e resistência em territórios historicamente marcados por desigualdades. São destaques também encontros, cotidianos e redes relacionadas ao saber/fazer da cozinha, que estruturam e garantem sua atuação como espaço de convergência social.

O que vai na panela são produtos agroecológicos, em sua maioria, oriundos de assentamentos ou da agricultura familiar. Com isso, são repassados ensinamentos sobre modos solidários e ecológicos de produzir, sobre a necessária articulação entre cidade e campo, bem como é questionada a relação com a comida e os hábitos de consumidores.

Cartografias

Além do sonário, o projeto apresenta ainda um mapeamento cartográfico de cozinhas sediadas na cidade de Porto Alegre, elaborado pelo Margem Lab e pelo Laboratório Encruzilhada. A pesquisa identificou informações como a maior incidência das cozinhas solidárias em bairros de baixa renda, que frequentemente ocupam áreas de borda ou topo de morro com pouco acesso a infraestruturas urbanas, serviços, equipamentos e moradia digna.

A sobreposição dos dados das cozinhas aos dados de raça coletados pelo IBGE evidencia que a concentração dos espaços coincide com as áreas de maior concentração de pessoas negras, como à leste e à oeste da capital gaúcha. À sul, destaca-se a Restinga, resultado de uma das maiores remoções urbanas do centro para as margens da cidade durante os anos 1970, com forte recorte racial.


Sobreposição dos dados das cozinhas aos dados de raça / Foto: Reprodução/Sonário das Cozinhas

Nos territórios majoritariamente ocupados pela negritude também há mais problemas de falta de infraestrutura urbana e policiamento intensivo, o que revela um forte retrato das desigualdades sociais e do racismo estrutural das políticas urbanas e sugere a emergência das cozinhas como um movimento de resistência.

Em uma segunda etapa do projeto, o coletivo Margem LAB realizou apoio técnico à consolidação das cozinhas como equipamentos urbanos de convergência social. O objetivo é compor um conjunto de diretrizes que possam subsidiar o reconhecimento e a efetivação das cozinhas como equipamentos urbanos de bairros, capazes de fortalecer redes de vizinhança, lutas pela moradia popular e relações urbano-rurais vinculadas à soberania alimentar.

Da Redação