‘Foi a PM’: indígena é assassinado em área sobreposta por fazenda de família de assessora do governo do MS

Brasil de Fato

Uma ação da Polícia Militar (PM) do Mato Grosso do Sul contra uma comunidade do povo Guarani Kaiowá resultou na morte, a tiros, de um indígena de 22 anos nesta quarta-feira (18) na cidade de Antônio João (MS). A área atacada e cercada por forças policiais faz parte da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu e está sobreposta pela Fazenda Barra, de propriedade de Roseli Maria Ruiz e Pio Queiroz Silva.  

Até a tarde desta quarta-feira (18) indígenas seguem sob repressão e afirmam que a PM não deixa que eles se aproximem do corpo de Neri Ramos. A Força Nacional não está no local. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os policiais alteraram a cena do crime e levaram o jovem indígena morto para uma picada de mato. 

“Estão atacando agora. Com calibre .12. Espero que não acerte mais nenhum colega. A Funai está presente aqui, mas não estão respeitando”, afirma João*, indígena que está na retomada. “Está tendo muita demora: a Força Nacional, a Polícia Federal, ninguém está chegando. Eu não sei o que vai acontecer com a gente”, afirma. 

A advogada Luana Ruiz, membra do Partido Liberal (PL) e filha dos fazendeiros, foi quem entrou com a ação judicial para a atuação da PM no local. Ela é também assessora especial da Casa Civil do governo do estado do Mato Grosso do Sul, comandado por Eduardo Riedel (PSDB). 

Os indígenas retomaram a área sobreposta pela fazenda na última quinta-feira (12) e foram atacados pela PM nessa mesma tarde, em ação que feriu três indígenas. Uma delas, Juliana Gomes, tomou um tiro no joelho e está internada no hospital de Ponta Porã (MS).  

Horas depois na mesma quinta-feira (12), atendendo a um pedido de Luana Ruiz, o desembargador Ricardo Duarte Ferreira Figueira, da 1ª Vara Federal de Ponta Porã, determinou a manutenção “do policiamento ostensivo na localidade”.  Desde então, os indígenas estão sitiados pela polícia, que protege a propriedade privada.  

Na noite desta terça-feira (17), um ônibus e um caminhão da tropa de choque da PM chegaram à cidade de Antônio João. Durante a madrugada, as forças policiais atacaram a comunidade, destruindo barracos e atirando. Segundo os indígenas, Neri Ramos foi executado. “Foi a PM”, declarou um indígena ao Cimi.


O jovem Guarani Kaiowá Neri Ramos foi morto a tiros em ação policial na retomada da TI Nhanderu Marangatu / Povo Guarani Kaiowá

“Ontem fizemos uma reunião com a Funai, disseram que ia ter outra reunião para negociar. Nem saiu nenhum acordo e hoje nos atacaram. Veio a tropa de choque, nos rodearam nos dois sentidos, nos intimidando e atiraram em nós”, relata João. 

A Secretaria de Segurança Pública do governo Riedel afirmou que “o óbito ocorreu depois de um confronto e troca de tiros com a Polícia Militar”.

Em nota, a Funai informa que acionou a Procuradoria Federal Especializada “para adotar todas as medidas legais cabíveis e está comprometida em garantir que essa violência cesse imediatamente”.

O órgão indigenista afirmou, ainda, que “já se reuniu com o juiz responsável pelo caso, solicitando providências urgentes sobre a atuação da polícia na área. Em diálogo com a Secretária de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, a instituição reafirmou a orientação de que não deve haver qualquer medida possessória contra os indígenas da Terra Indígena Nhanderu Marangatu”.

“Diante da gravidade dos fatos, a Fundação está preparando nova atuação perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a fim de se garantir a proteção da comunidade indígena”, informou a Funai.

Questionado, o Ministério da Justiça (MJ) informou que três equipes da Força Nacional foram acionadas na segunda-feira pela Polícia Federal (PF) para ir ao local “apoiar a Funai em nova tentativa de diálogo”. A pasta informou que o novo acionamento aconteceu nesta quarta (18), “após a morte de um indígena alvejado por disparo de arma de fogo”.

O MJ não respondeu porque as equipes da Força Nacional não estavam no local antes, já que o conflito estava iminente. Confirmou que a PF instaurou um inquérito “para apurar o fato”.

Histórico de morte de indígena na Fazenda Barra 

A Terra Indígena Nhanderu Marangatu tem 9.570 hectares e já teve a demarcação homologada em março de 2005. Meses depois, no entanto, uma decisão liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, suspendeu a demarcação. O ministro atendeu a um mandado de segurança proposto por Pio Silva e outros 15 fazendeiros.   

Há quase duas décadas o povo Guarani Kaiowá avança, com retomadas, sobre o seu território ancestral e reivindica que o processo demarcatório da TI Nhanderu Marangatu seja refeito. A Fazenda Barra é a última que falta ser retomada.   

A última tentativa dos indígenas de recuperar a área de 1,3 mil hectares da fazenda foi em agosto de 2015 e também terminou em morte. Na ocasião, a fazendeira Roseli Ruiz, à época presidente do Sindicato Rural de Antônio João, convocou uma reunião na sede do órgão.  

Entre outros, estavam presentes na reunião dois deputados federais que seriam ministros da Agricultura e da Saúde do governo Bolsonaro (PL): Tereza Cristina (PP) e Luiz Henrique Mandetta (União). De lá, um comboio de cerca de 40 caminhonetes foi até a área retomada. Os indígenas foram atacados e Semião Vilhalva, liderança indígena e agente de saúde, foi morto com um tiro na cabeça.  

Da Redação