Tribunal popular mobiliza sociedade civil do Ceará para expor e combater uso de agrotóxicos no Brasil
Brasil de Fato
Nesta quinta-feira (31), será realizado o Tribunal Popular dos Agrotóxicos, ação simbólica que reunirá sociedade civil e movimentos populares para debater os impactos dos agrotóxicos no Ceará e no Brasil. A ação acontece das 8h às 17h30 no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Os interessados em participar podem realizar a inscrição online ou, se preferirem, podem acompanhar o tribunal através do canal no Youtube do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria.
Esses tribunais populares são iniciativas da sociedade civil, que representam um júri em busca de responsabilização e de mobilização da sociedade sobre um determinado tema. A estrutura deste tribunal é composta de nove testemunhas de acusação, três de defesa, cinco peritos, um advogado de defesa, outro de acusação e um juiz.
A advogada e coordenadora de projetos do Esplar, Magnolia Said, explica que o Esplar se dispôs a dar visibilidade pública a uma problemática que afeta toda a população e o meio ambiente como é o caso do uso dos agrotóxicos. “Temos como objetivos sensibilizar a sociedade civil em relação aos impactos irreversíveis dos agrotóxicos sobre suas vidas e o meio ambiente, incentivar a população a se mobilizar para cobrar dos poderes públicos proibição à comercialização e uso de agrotóxicos no Estado.”
O Tribunal Popular dos Agrotóxicos mobiliza a sociedade civil para expor e combater o uso indiscriminado de veneno no Brasil. Cientistas, agricultores, experimentadores e pessoas diretamente afetadas pelos agrotóxicos estarão presentes, compartilhando suas vivências e buscando soluções para a ameaça crescente à saúde e ao meio ambiente em relação ao uso de agrotóxicos. “Esperamos que a indignação diante do que o público que terá acesso ao Tribunal irá saber sobre os efeitos do uso de agrotóxicos na produção, se transforme em resistência ativa”, afirma Magnólia.
Dentre os temas esperados no Tribunal, estão: a saúde física, mental e reprodutiva das famílias, a contaminação das águas, a falta de fiscalização, o uso do veneno como arma química, a pulverização aérea indiscriminada e os conflitos territoriais.
Questionada sobre os encaminhamentos que devem ser retirados ao final dessa ação, Magnólia explica que “em primeiro lugar, teremos uma sentença que será divulgada na mídia e entregue aos poderes públicos. Espera-se também que seus resultados favoreçam uma maior articulação entre os movimentos populares do campo e da cidade, para incidência política, tendo em vista a aprovação da Política Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos e ainda uma ação coletiva em torno da revisão da Política de Incentivos Fiscais para Agrotóxicos, seja no estado seja onde situações semelhantes existirem”.
“Em tempos de fake news, de construção de falsos consensos e de imposição de um pensamento único como resposta às crises humanitárias, ambientais e territoriais, nada mais necessário do que a realização de um tribunal popular, onde se pode tirar o véu que cobre os impactos irreversíveis que os agrotóxicos vêm causando em nossas vidas”, afirma Magnólia.
O Tribunal Popular dos Agrotóxicos é promovido pelo Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, com o apoio da CESE, Fundação Heinrich Böll, Brot für die Welt (Pão para o Mundo) e em parceria com os mandatos dos deputados Missias do MST e Renato Roseno, o Instituto Terramar e o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (Najuc/UFC).
O contexto e os impactos dos agrotóxicos no Brasil
De acordo com o dossiê Agrotóxicos e Violação dos Direitos Humanos no Brasil, a responsabilização das empresas pelo uso de agrotóxicos é uma questão urgente. Comprovadamente tóxicos, esses produtos afetam não apenas os trabalhadores rurais, mas toda a população. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2020, um terço dos alimentos consumidos no Brasil estava contaminado por agrotóxicos, impactando diretamente a saúde pública.
Em 2023, a aprovação do PL 1459/2022 (conhecido como PL do Veneno) centralizou o registro de novos agrotóxicos no Ministério da Agricultura, retirando a responsabilidade da Anvisa e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A exclusão desses órgãos pode facilitar a aprovação de substâncias potencialmente perigosas, elevando os riscos à saúde e ao meio ambiente.
Depoimentos
Vandi de Castro, agricultor de Tabuleiro do Norte, será uma das testemunhas do Tribunal e relata alguns dos impactos do uso dos agrotóxicos em sua região. “Começaram as pulverizações e, quando a gente passava na estrada, recebia aquela chuvinha fina no horário que eles estavam pulverizando. Outra coisa que a gente percebeu foi a morte das abelhas, o que não existia antes.”
Márcia Xavier, psicóloga e diretora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental (Ceresta) Zé Maria do Tomé, de Limoeiro do Norte, também também participará do tribunal dará seu depoimento onde denunciará que foi vítima dos agrotóxicos ao menos três vezes. Uma dessas ocasiões foi o assassinato de seu pai, Zé Maria de Tomé, após ele denunciar os problemas de saúde causados pelo uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi. Ela é uma das nove testemunhas de acusação que trarão à tona as consequências devastadoras do uso de agrotóxicos no Ceará.
“Eu costumo dizer que o agrotóxico me fez vítima três vezes. Na primeira vez, tive uma infecção de pele que foi o pontapé inicial para o papai (Zé Maria) perceber que a água estava contaminada – eu tive uma dermatose. A segunda foi o assassinato dele, em razão da luta contra os agrotóxicos, especialmente a pulverização aérea. E a terceira foi quando minha filha foi diagnosticada com puberdade precoce, um efeito comprovado da exposição aos agrotóxicos”, relata Márcia.
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