Esquerda deve ‘ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre circunstâncias concretas da vida’, diz cientista política
Brasil de Fato
As eleições municipais consolidaram o centro como o espectro político que mais terá prefeituras em todo o Brasil nos próximos 4 anos. O PSD, por exemplo, que faz parte desse grupo, vai administrar 991 municípios; seguido por MDB, com 864; e PP, com eleição de 752 prefeitos ou prefeitas, ambos também considerados de centro.
Para a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os partidos de centro podem ter se destacado justamente pela posição que se encontram, com maior flexibilidade permitida aos candidatos, principalmente num contexto de polarização.
“Nós temos um conjunto grande de partidos/legendas que não encontram uma devida correspondência em termos das expectativas sociais. Ou seja, são partidos que não funcionam para organizar essas preferências e expectativas uma vez que eles não expressam um conteúdo ideológico simbólico determinado”, explica.
“São partidos que, ao contrário, oferecem aos seus membros a possibilidade de apresentarem quaisquer tipo de ideias, ideologias, porque entendem que a vinculação com eleitor vai ser pessoal, do membro, e não do partido. E liberam esses membros para ganhar bases eleitorais fazendo os arranjos ideológicos necessários em cada contexto.”
Com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um levantamento do instituto Nexus apontou que as legendas de centro atingiram 52% do eleitorado em 2024, mantendo o desempenho de 2020. Já os partidos de direita, como União Brasil e PL, cresceram, conquistando 36% dos eleitores, enquando a esquerda piorou o desempenho, caindo de 15 para 12%.
Partido do presidente Lula, o PT ficou em nono lugar no ranking dos partidos com mais prefeituras (252) e conseguiu vencer apenas em uma capital: Fortaleza (CE). O Psol, que tem o prefeito Edmilson Rodrigues em fim de mandato na prefeitura de Belém (PA), não obteve vitória em nenhuma cidade nessas eleições, assim como PCO, PSTU, PCB e UP.
O mau desempenho da esquerda tem a ver com dois principais motivos, lista a professora da UFRJ. Um seria a onda anti-esquerda gerada por uma narrativa do medo feita pelos adversários. Outro teria a ver com a própria atuação da esquerda diante do eleitor.
“De fato existe um contexto global muito reativo à esquerda, uma vez que proliferam valores de conservação, valores reativos às transformações das hierarquias sociais e que se reúnem numa chave do anti-esquerdismo. Isso faz com que candidatos e partidos que têm uma marcação ideológica inequívoca como de esquerda não encontrem um bom contexto para atrair eleitores, tendo em vista a proliferação desse pânico moral”, argumenta Goulart.
Para a especialista, a esquerda precisa ainda aprender a dialogar mais e a ouvir, entender melhor o eleitor que deseja atingir.
“Eu acredito que os atores políticos da esquerda têm que aprofundar as dinâmicas de escuta. Nós somos grandes legatários dos ideais da revolução francesa. E continuamos acreditando nele, mas só que de maneira muito isolada. Tem pouca capilaridade social esse tipo de ideário. E proliferam no tecido social ideias associadas ao mérito, ao enriquecimento pessoal e talvez à religiosidade. Talvez seja importante ouvir um pouco o que esse tecido social deseja, suas aspirações. Eu acho que esse é o caminho: aprofundar o diálogo, aprofundar a escuta.”
“Discutir o mundo do trabalho me parece uma oportunidade, um caminho para que a esquerda fale de coisas reais, coisas que, de fato, preocupam as pessoas. E não que a gente fique falando de valores intangíveis e pouco disseminados. A gente fica falando muito em direito, direitos, liberdades, e as pessoas quem discutir trabalho, dinheiro, condições de trabalho, elas querem discutir também o meio ambiente, querem discutir violência”, expõe a cientista política.
“E a esquerda me parece ainda pouco disposta a dialogar, a ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre essas circunstâncias concretas que afetam a sua vida, sem necessariamente fazer grandes discursos de natureza moral sobre o futuro do capitalismo, as mudanças necessárias no sistema de acumulação capitalista. Isso comunica pouco e talvez achar que a gente tem que só dobrar a aposta, continuar falando das mesmas coisas não me parece a solução.”
A entrevista completa está disponível na edição desta quarta-feira (30) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.
E tem mais!
Brics
A Cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, terminou na semana passada com a inclusão de 13 novos países que passam a fazer parte do bloco como Estados parceiros. Apesar de a decisão ser histórica, o encontro avançou pouco em outras frentes, como a desdolarização e a criação de um sistema próprio de pagamentos.
Wellington Dias
A Aliança Global Contra a Fome foi lançada em julho deste ano, durante uma cúpula ministerial do G20. A menos de um mês da realização da Cúpula do bloco, o Brasil de Fato conversou com exclusividade com o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.
O Central do Brasil é uma produção do Brasil de Fato. O programa é exibido de segunda a sexta-feira, ao vivo, sempre às 13h, pela Rede TVT e por emissoras parceiras.