Rio Grande do Sul: chegamos à era das distopias

Brasil de Fato

O cenário de distopia que se materializou no Rio Grande do Sul nas últimas semanas, e nos indignou, motivou solidariedade e até denúncias necessárias, por vezes se assemelha a cenas descritas na literatura.

Em uma conversa, um amigo lembrou do enredo do célebre Ensaio sobre a cegueira, do Saramago; ao BdF, o cientista do clima Carlos Nobre, parafraseando o historiador Eric Hobsbawm, afirmou que a “era dos extremos” climáticos não é mais reversível; eu, pessoalmente, lembrei do Conto da Aia, de Margareth Atwood, diante das denúncias de violência contra as mulheres em meio à tragédia, mas também daquilo que nossos olhos dão conta de alcançar: as mulheres são as sempre as primeiras e as mais afetadas em situações de tragédia e que exigem delas – e de nós – o trabalho de cuidados. A distopia é agora e, no RS, ela já alcança diretamente mais de 2 milhões de pessoas.

No tema dos cuidados, o trabalho das cozinhas solidárias, brigadas de solidariedade e o enorme número de voluntários vão ser essenciais agora e quando as águas baixarem na reconstrução das cidades, comunidades e até assentamentos, já que Integração Gaúcha, Conquista Nonoense e Apolônio de Carvalho foram totalmente alagados.

MST está com uma campanha de solidariedade para ajudar as famílias sem-terra que perderam tudo. Comunidades quilombolas também lançaram campanhas de solidariedade contando os impactos específicos sobre seus territórios. Por todo o país e no exterior, se multiplicam as iniciativas de solidariedade adiando o fim do mundo um pouco a cada dia.

Em meio a esse cenário de preocupação em sobreviver, as vítimas da tragédia climática que perderam tudo ou uma parte daquilo que é material não deveriam também ter que se preocupar com dívidas. Pelo menos, é o que defende o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) em entrevista ao Brasil de Fato.

Essa bandeira ainda não é defendida pelo governo gaúcho, afinal, é sempre importante lembrar que Eduardo Leite (PSDB) capitaneia uma gestão que promoveu arrochos ficais, desmantelou a lei estadual de combate aos agrotóxicos, autorizou desmatamento em áreas de proteção, privatizou serviços públicos e propagandeou a austeridade como o caminho do desenvolvimento.

Essas também são razões que levam ao enfrentamento das consequências da tragédia: Leite queria menos Estado, mas agora é preciso mais Estado para salvar vidas.

Além das intensas chuvas no Sul do país, a meteorologista Márcia Seabra chamou atenção que os próximos meses devem ser de altas temperaturas e ondas de calor no Centro-Oeste.

Com os olhos dos povos do mundo voltados para o RS, continuamos reportando também em inglês. De Xangai, a ex-presidenta do Brasil e atual presidente do banco dos Brics anunciou R$ 5,7 bilhões para o estado. Não nos chegam notícias de que o FMI ou o Banco Mundial tenham tido ações semelhantes.

Quero terminar essa conversa te convidando a contribuir com o Brasil de Fato RS que, desde o primeiro dia da tragédia, reporta das cidades atingidas, mesmo que parte de sua equipe tenha perdido tudo. O jornalismo é essencial nessa cobertura: contando, analisando, politizando e combatendo a desinformação. As pessoas fazem jornalismo e elas precisam da nossa solidariedade.

* Monyse Ravena é coordenadora de áudio e vídeo no Brasil de Fato

Da Redação