Memória BdF | Na véspera de eleições da Venezuela, relembre entrevista histórica com Hugo Chávez
Brasil de Fato
Essa entrevista histórica integra o livro “É Preciso Coragem para Mudar o Brasil”, publicado pela editora Expressão Popular em 2006 e que reúne uma série de conversas com grandes nomes do campo popular, publicadas nos primeiros anos do Brasil de Fato. Como parte das celebrações dos 20 anos do jornal, completados no ano passado, vamos publicar mais entrevistas memoráveis ao longo dos próximos meses. Este projeto de resgate da memória do nosso jornalismo é uma parceria com a Expressão Popular.
Para entender a entrevista: Golpe do 11 de abril – Nesse dia, em 2002, militares e empresários depuseram e seqüestraram o presidente Hugo Chávez. Os golpistas receberam apoio e dinheiro do governo estadunidense. Dois dias depois, após manifestações de apoio a Chávez por todo o país, ele voltou ao cargo.
Caracazo – Levante de trabalhadores e estudantes de Caracas, em fevereiro de 1989, contra as políticas neoliberais do então presidente Carlos Andrés Pérez. Confrontos com a polícia deixaram centenas de mortos.
Revolução bolivariana – Programa econômico, político e social lançado por Chávez para romper com a dependência da Venezuela dos Estados Unidos, acabar com a corrupção no poder público e enfrentar os problemas da população pobre, como falta de acesso à saúde e à educação. A revolução se baseia nos ideais do general venezuelano Simón Bolívar (1783-1830), que lutou pela independência de diversos países da América do Sul.
Considerando a organização popular fundamental para garantir os governos democráticos, Hugo Chávez defende a integração da América Latina e propõe a criação de um fundo financeiro, de uma companhia petrolífera e de uma rede de TV. Chávez recebeu a reportagem do Brasil de Fato em uma área livre conjunta à sua sala de despachos – onde mandou construir um quiosque de palha que lembra a casa onde nasceu, para “manter vivas as raízes campesinas”.
Seus traços de mistura afro-indígena sobrepõem-se ao seu cansaço evidente ao fim de um dia de trabalho e debates com internacionalistas de todos os continentes, que estavam em Caracas para o II Encontro Mundial de Solidariedade com a Revolução Bolivariana. Seu interesse pelo Brasil não disfarça o respeito apaixonado pelo pernambucano Abreu e Lima, general que lutou com Bolívar. “Por que não temos alguns desses bispos brasileiros por aqui?”, perguntou, ao ver, na edição 58 do Brasil de Fato, a foto de dom José Maria Libório Saracchio beijando os pés de um sem-terrinha na cerimônia do lava-pés da Semana Santa. Não há formalismos, a roupa é simples, mistura com naturalidade complexas análises políticas e versos de uma canção revolucionária do cantor venezuelano Alí Primera.
Brasil de Fato: Como evitar golpes como os que derrubaram João Goulart, no Brasil, e Salvador Allende, no Chile? Como evitar outro 11 de abril na Venezuela e fazer que os 13 de abril sejam permanentes na América Latina
Hugo Chávez: Como evitar que as oligarquias, impulsionadas e apoiadas pelo império, calem os processos de mudanças, cortando as esperanças? Como evitar, aqui nestas terras, que se cumpra a cínica expressão de Winston Churchill sobre a União Soviética: “É preciso cortar a cabeça do bebê antes que cresça”? Como evitar que os Herodes de hoje cumpram a meta perversa de cortar a cabeça do bebê da esperança A experiência da Venezuela pode contribuir para evitar os golpes fascistas que derrotam governos democráticos e legítimos, sobretudo progressistas, com projetos de mudanças, como o de Allende ou de Goulart.
No nosso caso, o golpe foi derrotado em 24 horas, pois o povo se colocou de pé quase de imediato. Um elemento fundamental é a organização popular. Eu a colocaria em primeiro lugar! Essas massas de povo que despertaram na América Latina, na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Equador, precisam estar organizadas. É necessário que os dirigentes, os líderes naturais, os líderes políticos, os líderes sociais sejam uma direção política consciente, que articulem um plano e ponham em marcha, no seio das massas, para elevar progressivamente o nível de consciência e de organização.
Simón Rodríguez dizia: “A força material está na massa e a força moral, no movimento da massa”. Eu, humildemente, na prisão, lendo Simón Rodríguez nas madrugadas, me atrevi a acrescentar uma terceira consigna, pois me parece que faltava a força material que estava na massa e a força moral que estava no movimento. A força transformadora está na massa consciente e organizada, em movimento acelerado e permanente. Muitos movimentos de massa fracassaram por falta de uma direção política, uma consciência, uma ideologia. Não tinham um aparelho, chamemos isso de aparelho ou de partido.
Às vezes as rebeliões vêm com um aiatolá…
Sim, no Irã pode ser que sim. Às vezes são até subjetivos os aparelhos, mas vão se transformando em aparelhos concretos, em correntes concretas, enfim, em organização, consciência e ideologia, programa e direção, de forma tal que tenhamos uma massa organizada e consciente em movimento. Com uma direção determinada. E acredito que esse é o fator mais importante e foi o que salvou o processo venezuelano. Salvou inclusive a nossa vida e nos
seguirá salvando das ameaças.
Qual é o papel dos militares nos processos de transformação? Qual a importância da unidade cívico-militar?
Aqui o povo e as forças armadas voltaram a se reencontrar. Em 1989, em Caracas, vi quando os soldados foram enviados por Carlos Andrés Pérez para massacrar o povo que se levantou no Caracazo! Descarregaram a fuzilaria sobre os bairros pobres. Foram milhares de mortos.
Falam em trezentos, mas foram milhares de corpos lançados em fossas comuns, que nunca apareceram. Exatamente no dia em que se completavam dez anos daquela tragédia, 25 dias depois de termos assumido o governo, começamos o “Plano Bolívar 2000”. Nesse dia, os militares saíram de todos os quartéis do país, mas já não iam com a metralhadora da morte e sim com armas carregadas de vida, para fazer trabalho humanitário!
Era uma ação meramente conjuntural, mas era uma resposta de um governo que começava com grandes dificuldades econômicas, uma pesada dívida externa, a pobreza infinita que tivemos aqui durante todo esse tempo, mas com um gesto: as Forças Armadas saem para ajudar seu povo e desde então não pararam mais e não pararão.
Agora estamos organizando os reservistas do Exército, todos os que passaram pelas fileiras militares, junto com
o povo pobre. Já temos 80 mil inscritos e aprovamos recursos extraordinários para uniformizá- los, para armá-los e para treiná-los.
Quais os antecedentes históricos dessa unidade cívicomilitar?
99% dos militares da Venezuela vêm dos bairros pobres, dos campos. É um povo das classes baixas, nem das classes médias.Na melhor das hipóteses, ascendemos socialmente no Exército e chegamos a ser um pouco classe média. Mas eu nasci em uma casa de palha. Um militar venezuelano que vem da classe alta é um extraterrestre, uma coisa estranha. Na tropa, os suboficiais também são de profunda extração popular.
Porém, sabemos que isso não é garantia suficiente porque temos visto na América Latina,como aqui, militares arremetendo contra seu próprio povo. Na verdade, o processo revolucionário bolivariano resgatou as raízes militares de nossas Forças Armadas. Eu repeti um milhão de vezes aos militares venezuelanos: quando Simón Bolívar estava morrendo, acompanhado de Abreu e Lima – o grande revolucionário pernambucano, símbolo da integração de nossos povos – afirmou em sua última proclamação que “os militares devem empunhar suas espadas para defender as garantias sociais!”.
Anos antes, dissera: “Maldito seja o soldado que aponte as armas contra seu povo!”. Isso está entranhado profundamente nas Forças Armadas e, por isso, no golpe de 11 de abril, a elite governante de Washington, a CIA, a elite venezuelana com todos os seus recursos e analistas, a elite petroleira que tinha um governo paralelo, todos se equivocaram bastante. Pensaram que o povo venezuelano ficaria de braços cruzados diante do golpe fascista.
Como foi essa resistência
Dia 13 de abril, este palácio foi rodeado pelas massas, as cidades foram tomadas e a população começou a sair para as ruas. Como diz a canção: “E desceram, e desceram e desceram” (canção revolucionária de Alí Primera). Primeiro, um pequeno grupo, depois uma avalanche com bandeiras e com a Constituição, alguns com fuzis, outros com facões, uns cantando e outros chorando, e aí se levanta um povo campesino, obreiro e desempregado, os camelôs, os jovens estudantes.
Um artigo escrito por um golpista conta como o ministro, o cardeal e os donos dos meios de comunicação estavam numa reunião, aqui no palácio, e alguém avisa que têm que evacuar o palácio porque estavam cercados! Eles saíram correndo pela porta de trás. Alguns não tiveram nem tempo de sair porque as tropas e o povo tomaram o palácio e os telhados, as portas. Pedro Carmona fugiu pelos fundos junto com os donos dos meios de comunicação, o cardeal fugiu pelo outro lado. Assim, nesse dia começou a se evidenciar o resultado de todo o trabalho, do empenho, da fusão civil-militar. Foram as horas em que vivi no fio da navalha.
Porque os golpistas já tinham dado a ordem da minha morte. Estava consciente de que essa gente que havia poupado minha vida em 4 de fevereiro de 1992 não cometeria o mesmo erro de novo. Mas a fusão civil-militar começou a brotar por todas partes e a consciência dos jovens militares salvou minha vida e deu tempo para que a pressão popular se unisse inclusive com chefes militares. O general Garcia Carneiro, que era ministro da Defesa, estava preso pelos golpistas. Mas com a ajuda dos soldados escapou pela janela do banheiro do Forte Tiúna e foi para a portaria onde as massas populares se concentravam, buscando aliança com os militares.
Carneiro pegou um megafone e incentivou o povo à luta. Ouviram-se canções revolucionárias: “No basta rezar…” e todos cantaram, a tropa e o povo! Aí está uma fórmula, um povo unido, organizado, consciente, capaz de se mobilizar e veja que se mobilizou sem ser convocado! Os meios de comunicação alternativos tiveram papel importantíssimo e são a outra parte da fórmula para impulsionar a rebelião. Assim como disse Che Guevara, “criar um, dois, três Vietnãs na América Latina”, temos que impulsionar uma, duas, três mil emissoras de televisão e rádios comunitárias na América Latina, que convoquem e orientem o povo.
A situação política na Colômbia agrava-se com a moção aprovada pelo senado colombiano que pede a aplicação da Carta da OEA contra a Venezuela e a revolução bolivariana. O que o senhor acha desse quadro?
Estamos atentos aos sinais que estão chegando, seja pelo lado esquerdo, seja pela fronteira ocidental. Há pouco, em visita à Guiana, cheguei a uma conclusão: lá pelos anos 70, começaram a surgir nos quartéis venezuelanos congressistas e livros falando da necessidade da Venezuela resgatar o território de Esequibo. Atiçaram nos militares venezuelanos um sentimento antiguianense, e agora sei por quê.
Na época, a Guiana tinha um governo progressista que permitiu o uso de suas instalações por tropas cubanas que se deslocavam, indo e vindo de Angola. Apresentavam a Guiana como uma ameaça, como a nova Cuba da América do Sul. Claro que era um plano da Casa Branca, do Pentágono e do Comando Sul do Exército dos Estados Unidos, atiçando a Venezuela contra a Guiana. O mesmo aconteceu no Iraque, quando triunfou a revolução do aiatolá Khomeini e os EUA decidem armar Sadam Hussein contra o Irã, gerando a guerra que durou dez anos.
Queriam destruir a revolução iraniana. Não conseguiram, mas fizeram muitos danos, frearam o avanço social. Agora atiçam a oligarquia colombiana contra a Venezuela. A presença militar dos EUA na Colômbia, o Plano Colômbia, que é a máscara usada no suposto combate ao narcotráfico, na verdade é a via de penetração do império na região. Solicitam ao Congresso dos EUA duplicar os recursos e o Exército para a Colômbia.
Criaram comandos militares e de inteligência perto da nossa fronteira. Os paramilitares mataram, nos últimos dois anos, mais de 60 líderes agrários. Há dois meses houve uma batalha entre um batalhão da Venezuela e paramilitares que penetraram na fronteira. Os paramilitares colombianos são subordinados ao Pentágono. No fim, os militares colombianos fizeram um comunicado dizendo que militares venezuelanos penetraram na Colômbia para atacar o exército colombiano e assim evitar que eles capturassem um líder da guerrilha. A verdade é: eles invadiram a fronteira venezuelana e temos imagens mostrando isso claramente.
Quais são os planos do imperialismo para a região?
Há pouco tempo o chefe do Comando Sul do Exército dos EUA declarou que “Hugo Chávez e seu populismo radical” eram uma ameaça à paz. Antes, o governo espanhol de José María Aznar ofereceu à Colômbia 40 tanques pesados de guerra. Aznar é um subordinado de Washington e atuou no golpe de Estado contra nós. A ajuda militar à Colômbia fornece helicópteros aos paramilitares.
Quando alguns senadores colombianos pedem a aplicação da Carta da OEA e dizem que Chávez é um rei, um ditador, significa uma conspiração política na Colômbia, em Washington, e uma conspiração militar para atacar a Venezuela. Nós estamos nos preparando para qualquer coisa e oxalá a oligarquia colombiana não leve adiante esses planos porque também vai fracassar, assim como o golpe de 11 de abril ou o paro petrolero.
As várias datas rebeldes da “Nossa América”, como o Bogotazo, o 26 de julho em Cuba, o 4 de fevereiro aqui mostram uma história de lutas que, mais recentemente, se ransforma em levantes contra o neoliberalismo. O que significa tudo isso em termos de possibilidade histórica de uma luta comum contra o neoliberalismo?
A Nossa América, como diz o poeta José Martí, tem ciclos de lutas. A primeira onda de rebeliões foi a da incrível resistência indígena. Uma enorme resistência apagada pelos impérios, como aconteceu no Brasil. Depois vieram novas ondas rebeldes ligadas às circunstâncias mundiais, produtos da guerra de independência dos EUA, da revolução francesa, do desgaste do império espanhol e do florescimento, neste continente, de um setor criollo (nativo) consciente – formador de uma massa crítica de pensadores, tomando consciência desta terra e deste povo, e que se atreveram a criar uma força para, em 1810, declarar a independência.
Aproveitaram uma conjuntura, mas vinham amadurecendo, com a conspiração dos negros e indígenas. Depois, quase todo o continente se apagou. E então veio a onda de governos nacionalistas como o de Juan Domingo Perón (Argentina), ou de Getúlio Vargas (Brasil), ou de Lázaro Cárdenas (México), ou de governos militares progressistas como o de Omar Torrijos (Panamá) e de Juan Veasco Alvarado (Peru).
Uma erupção de governos impulsionados pela revolução cubana. Uma onda de insurreições variadas, militares e progressistas, que logo se apagou e abriu caminho para o neoliberalismo. Sobretudo nos anos 90, após a queda soviética, que foi um golpe moral e político. O neoliberalismo penetra fundo e quase apaga a presença dos movimentos alternativos. Mas agora estamos em nova onda rebelde e de avanço nas lutas das massas. E mesmo dentro do monstro há um tremendo movimento antiglobalização, movimentos antiguerra, milhões de pessoas protestando contra a invasão no Iraque. É uma onda crescente que indica caminhos, traz esperanças.
Qual o papel dos líderes populares neste cenário?
Todos os que assumimos circunstancialmente um papel de liderança, de direção, em qualquer nível, seja nas frentes políticas, nos movimentos sociais ou na batalha econômica, todos nós que temos consciência dessa situação, temos uma grande responsabilidade neste momento. O desafio é dar à massa uma liderança organizativa, orgânica, dar um nível de consciência e ideologia capaz de enamorar, apaixonar o povo, de potencializar as lutas, para que não se perca essa nova onda rebelde.
Estamos diante de um grande caminho e espero que os líderes que estão emergindo, na América Latina sobretudo, estejam à altura desses acontecimentos, para dar forma concreta e transformar esses estados de transição que atravessamos na região. O modelo neoliberal imposto no continente está desmoronando. O capitalismo neoliberal, a democracia burguesa já não tem moral nem força. A água está borbulhando na panela; só ferve aos 100 graus centígrados, mas já borbulha! O caminho agora é saber o que fazer com essa energia popular, moral, intelectual que está brotando, como concentrá-la e conseguir a força necessária, a temperatura de 100 graus, para ter êxito e criar um projeto popular, como estamos fazendo na Venezuela.
Uma democracia popular, participativa, protagonista e um modelo econômico alternativo, social, que sirva para atender as necessidades fundamentais de todos e não para o enriquecimento de uma minoria. Se em toda a América do Sul e no Caribe conseguirmos coordenar forças, juntar lideranças, poderemos, depois de 500 anos, ter algum êxito e avançar! O que conquistarmos até 2010 na Nossa América definirá o futuro.
Estamos na primeira etapa, mas se fracassarmos agora tudo se perderá e seguirão imperando as mesmas forças dominantes. Se abrirmos espaço para a construção de um projeto maior de transformação deste continente, isso pode significar a transformação do mundo, que já não é mais apenas transformação, mas a salvação do mundo, pois o caminho que estamos trilhando leva à destruição total do planeta. Tenho esperança de que esta nova onda rebelde não será perdida e que nossos filhos verão um continente diferente. Oxalá os líderes estejam à altura dos povos.
No paro petrolero o Brasil enviou petróleo para a Venezuela. Agora a Venezuela envia petróleo à Argentina. Isso prova a necessidade e a possibilidade da integração latino-americana e caribenha
Esses episódios são ensaios dessa integração. Não podemos esquecer da ajuda de Fernando Henrique Cardoso e depois de Luiz Inácio Lula da Silva, que também nos ajudou enviando navios com combustível para aliviar nossos problemas. Agora o presidente Néstor Kirchner pediu apoio diante de problemas internos com energia e não hesitamos um segundo.
Inclusive quando ele me falou do problema eu disse que se necessário, levaríamos uma refinaria daqui para lá. Em breve, cumpriremos a cota de 300 mil barris de combustível enviados à Argentina.
Recentemente, a imprensa divulgou a correspondência trocada entre o chanceler do Brasil e o secretário de Estado dos EUA, revelando diferenças nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Como isso reforça a proposta da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba)?
Todos sabem que estamos propondo uma alternativa à Alca, que é um projeto neocolonial: a Alba contra a Alca, que agora vem se estruturando como um modelo de integração distinto. Entre Cuba e Venezuela estamos avançando nesse modelo, que chamamos de Alba, mas pensando em uma integração para toda a América do Sul.
Quando nos visitaram os presidentes Kirchner e Lula, na reunião do G-15, estávamos planejando algumas linhas estratégicas do que poderia ser essa integração do Sul, como queria Bolívar, que pretendia articular um bloco de força política, não só de integração comercial. Estamos propondo para a América do Sul um fundo financeiro das regiões, que funcionaria como semente de um novo fundo para crescer progressivamente, um fundo latino-americano de reserva. Mas ainda falta decisão política para criar isso, ainda há o temor ante o FMI e o império. Propusemos a criação da Petrosul, que representaria uma capacidade energética enorme juntando Petrobras, PDVSA, Petroperu e outras petroleiras da região.
Somando as reservas petroleiras de todos, seríamos os maiores do mundo em reserva e em energia! Propusemos também uma televisão do Sul para que nossos povos não assistam só a CNN ou o que queiram projetar os poderes hegemônicos. Já temos os mecanismos, o canal 8 da Venezuela, temos a ViveTV. No Brasil há várias emissoras públicas, como no Estado do Paraná; há emissoras comunitárias também na Argentina.
Basta uma decisão política e faríamos isso amanhã mesmo! Temos avançado nas conversas para uma cooperação entre o canal venezuelano e argentino para fazer essa TV do Sul. Assim, estamos propondo a Petrosul, a TV do Sul e um fundo financeiro latino-americano que incremente nossa soberania econômica. Propomos criar um banco do Sul.
Imagine se, em vez de colocar nossas divisas num banco dos EUA, colocássemos em banco do Sul, que também pode ser articulado com África e Ásia! Criar uma universidade do Sul, articulada. Uma missão Robinson, para que em poucos anos não houvesse mais analfabetos no continente. Uma missão Bairro Adentro, de saúde e ação conjunta, inclusive com o apoio das forças armadas de cada país, como fazemos aqui na Venezuela. Eu considero que o critério da Alca está morto.
O governo bolivariano decidiu suspender projetos de soja com sementes transgênicas?
Suspendemos os projetos com transgênicos e vamos fazer uma espécie de um banco de sementes não transgênicas para oferecer aos países pobres. Parabenizo o governador do Estado do Paraná, Roberto Requião, pela decisão adotada sobre os transgênicos e a ele envio minha solidariedade. Tenho muita curiosidade de saber, inclusive, como ele tem desenvolvido os projetos agrícolas na região e, quem sabe, fazer um intercâmbio de experiências nesse sentido.