Venezuelanos vão às urnas para escolher entre Revolução Bolivariana ou giro à direita

Brasil de Fato

A cada seis anos, desde 1999, o processo da chamada Revolução Bolivariana é colocado à prova e neste domingo (28) milhões de eleitores mais uma vez vão decidir se apoiam o projeto iniciado pelo ex-presidente Hugo Chávez ou se mudam a rota política do país para a direita. 

Os venezuelanos poderão escolher entre 10 candidatos na urna. O atual presidente, Nicolás Maduro, busca a reeleição para um terceiro mandato. Ele encabeça a campanha chavista e tem um plano de governo chamado de 7 Transformações. O documento propõe o desenvolvimento em sete áreas: economia, social, política, meio ambiente e relações internacionais, além de dois tópicos mais conceituais: expandir a doutrina bolivariana e aperfeiçoar a convivência cidadã. 

Os outros nove candidatos são da oposição, sendo o principal deles o ex-embaixador Edmundo González Urrutia. A campanha, no entanto, é liderada pela ex-deputada María Corina Machado. A ultraliberal está inabilitada pela Justiça venezuelana por 15 anos por “inconsistência e ocultação” de ativos na declaração de bens que ela deveria ter apresentado à Controladoria-Geral da República (CGR) enquanto foi deputada na Assembleia Nacional (2011-2014). 

Oito candidatos correm por fora e não organizaram marchas com protagonismo na campanha: Antonio Ecarri, Luis Eduardo Martínez, José Brito, Daniel Ceballos, Javier Bertucci, Benjamín Rausseo, Claudio Fermín e Enrique Márquez. 

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Como funciona o sistema eleitoral na Venezuela

O CNE anunciou em maio que 21,4 milhões de venezuelanos estão aptos a votar no dia 28 de julho. Cerca de 69 mil deles estão fora do país. 

A eleição para presidente na Venezuela tem apenas um turno. Ganha quem tiver o maior número de votos. O mandato para o presidente é de seis anos. No país, não há limite de reeleição para presidente. O atual chefe do Executivo é Nicolás Maduro, que concorre à reeleição para o 3º mandato. Antes dele, Hugo Chávez também foi eleito três vezes, mas morreu logo no início de sua 3ª gestão, em 2013.

Para votar, é preciso ter ao menos 18 anos e o voto não é obrigatório no país. Assim como o Brasil, a Venezuela também usa a urna eletrônica, mas a diferença é que no sistema venezuelano o voto também é impresso. O Conselho Nacional Eleitoral venezuelano contratou uma empresa em 2004 que desenvolveu e implementou mais de 500 mil máquinas e treinou 380 mil profissionais para operará-las. 

O procedimento é simples. Os centros de votação são em escolas públicas. O eleitor entra na sala de votação, valida sua biometria e registra o voto na urna eletrônica. Ele recebe o comprovante impresso do voto, confere se está correto e o deposita em uma outra urna, onde ficam armazenados os votos em papel. Quando a votação é encerrada, o chefe da seção imprime o boletim de urna e faz a contagem dos votos impressos para conferir se estão de acordo.

Para estas eleições, estão presentes ocmo observadores internacionais diversas entidades de distintos países como delegações da ONU, do Centro Carter, dos EUA, e da União Africana.

Mais seis anos para o chavismo?

O processo iniciado na eleição de Hugo Chávez em 1998 dura 25 anos na Venezuela. Durante 14 anos, o ex-presidente implementou uma série de mudanças no país: estatizações, programas sociais e um processo de industrialização do setor produtivo foram algumas das marcas do governo de Chávez. Ele foi reeleito em 2000, 2006 e 2012, mas morreu no início do terceiro mandato em decorrência de um câncer. 

Seu então vice, Nicolás Maduro, disputou e venceu novas eleições em 2013. Ele passou a comandar o país em meio à crise econômica mais grave da Venezuela em toda a sua história. Sanções dos Estados Unidos, manifestações violentas da oposição e uma sabotagem de setores empresariais nacionais levaram o país a uma hiperinflação e um descontrole cambiário. 

Mesmo nesse contexto, Maduro foi reeleito em 2018 em uma eleição que a oposição boicotou. Para tentar estabilizar a economia, Maduro conteve aumentos no salário mínimo e segurou os gastos públicos. Segundo o sociólogo e mestre em comunicação política Franco Vielma, tudo isso reduziu a popularidade do presidente, que agora terá uma das eleições mais difíceis para o chavismo.

“Isso gerou uma baixa popularidade em algum ponto, porque se rompeu a capacidade do Estado de construir e fazer políticas públicas. Isso tem a ver com os salários do setor público, ou seja, trabalhadores públicos que tiveram uma queda no seu salário. Então a popularidade de Maduro e da Revolução foi afetada, mas isso se recupera à medida que a economia se recupera. Ou seja, estava muito vinculado à economia”, afirmou ao Brasil de Fato.

Se for reeleito para um terceiro mandato, Maduro poderá chegar a 18 anos no poder e ser o presidente mais longevo da história da Venezuela, superando o próprio Chávez (1998-2013).

Oposição é ultraliberal

A Plataforma Unitária liderada por María Corina Machado e Edmundo González propõe um pacote de privatizações ampla, que mudaria a política implementada neste século. A ideia é vender ativos públicos para “aumentar a receita e a eficiência dos serviços”. Segundo este grupo, o principal alvo é a estatal petroleira PDVSA

Além disso, Edmundo fala também sobre a sua própria área. Por ter trabalhado durante toda a vida na diplomacia venezuelana, a política externa é um dos assuntos importantes para ele e a aproximação com os Estados Unidos é a principal proposta. Ele promete deixar de lado os países que a Venezuela se aproximou nos últimos anos. Rússia e Irã são alguns dos laços que Edmundo pretende romper se chegar à Presidência.

Mas ele demorou para se movimentar em uma pré-campanha que começou em marcha lenta. O ex-embaixador se recusou a participar de comícios e a responsável por tentar popularizar o nome de Edmundo era mesmo María Corina Machado. Acompanhada de uma foto do candidato, ela organizou passeatas em diferentes cidades para apresentá-lo aos eleitores. 

Quando a campanha começou em 4 de julho, Edmundo começou a sair para fazer discursos, ainda que breves. María Corina continuou protagonizando as passeatas e era a principal locutora dos atos opositores. Os eleitores não escondem estar votando por ela. “Vou votar na María Corina que é representada pelo Edmundo nesta eleição”, disse Juan Sandoval no último dia de campanha

Eleições sem boicote

Se na última disputa presidencial, em 2018, a oposição boicotou o pleito para apostar uma uma via insurreicional para derrubar Maduro, no pleito deste domingo a meta é ter uma participação massiva para tentar derrotar Maduro. Para Ociel Lopez, cientista político e autor do livro Eleições na Venezuela 2024: o que vai acontecer?, a presença da Plataforma Unitária era algo que, há um ano, ninguém imaginava. Segundo ele, com esse cenário, é impossível saber quem vai ganhar.  

“Ninguém no mundo estava esperando. Todos achavam que ia ser algo parecido a 2018, quando a oposição não participou. Se esperava que nenhum candidato da Plataforma Unitária, que está relacionada com Juan Guaidó, fosse participar. Também não esperava que o governo permitisse que esse setor tivesse candidato e pudesse participar. Em março todo esse debate acabou. Começou um processo que tem um nível de competitividade tão grande que qualquer um dos dois pode ganhar”, afirmou ao Brasil de Fato.  

Um debate que está colocado entre os eleitores é a aceitação dos resultados. Os dois lados afirmam que vão respeitar os resultados, mas que seus adversários vão contestar caso percam.

Em junho, os candidatos assinaram um acordo para reconhecer os resultados das eleições. O documento havia sido proposto pelo presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez e contou com a presença de oito dos 10 candidatos. Somente Edmundo González Urrutia e Enrique Márquez, do partido Centrados, não participaram. O candidato de Corina já havia se recusado a assinar o documento.

Os próprios apoiadores de María Corina Machado lembram das guarimbas –manifestações violentas contra o governo em 2014 e 2017. No último dia de campanha, manifestantes opositores disseram esperar que as pessoas “saiam às ruas” como naqueles anos. Lopez destaca que, mesmo com o temor em relação à violência, é pouco provável que esse cenário se repita pelo contexto atual.

“Há uma tensão enorme para o dia seguinte das eleições. No entanto, comparado com outros momentos da Venezuela, com violência nas ruas, é pouco provável que isso se repita. O venezuelano gosta das eleições, vive como um cenário esportivo. Mas o momento de máxima tensão já passou, não acho que pode escalar mais. Ainda assim, precisa se preparar para qualquer cenário”, afirmou.

Acordo de Barbados

Um eixo fundamental para chegar ao dia das eleições foi um acordo assinado em Barbados, em outubro de 2023, entre o governo e parte da oposição para delimitar as regras iniciais para a disputa. O documento definiu que as eleições do país deveriam ser realizadas no segundo semestre de 2024 e contaria com missões de observação da União Europeia, do Centro Carter e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Além disso, deixava claro que as candidaturas que estavam inabilitadas seriam revisadas pela Justiça venezuelana. As eleições foram marcadas para 28 de julho e todos os candidatos que pediram a revisão de suas inabilitações foram ouvidos pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). A revisão, no entanto, manteve a decisão sobre María Corina Machado. 

Após a assinatura do acordo, os Estados Unidos emitiram licenças para a economia venezuelana. Uma delas, a licença 44 permitia que o país vendesse petróleo no mercado internacional. Isso ajudou na recuperação econômica do país, que passa agora por uma baixa inflação e uma estabilização no câmbio. 

Em relação aos observadores, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) anunciou em março ter convidado a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Comunidade do Caribe (Caricom), União Africana, União Europeia, especialistas da ONU, Brics e o Centro Carter dos Estados Unidos para acompanhar as eleições de 2024 na Venezuela.

Mas dois meses depois, no entanto, o órgão eleitoral venezuelano cancelou o convite para a União Europeia. A decisão foi tomada depois que o bloco europeu anunciou o aumento da validade das sanções contra a Venezuela até 10 de janeiro, data da posse do presidente eleito.

Segundo Ociel Lopez, em um contexto de crise econômica e tensão política, o governo permitiu a candidatura da oposição, ao contrário do que dizia parte da oposição e da imprensa internacional. Segundo ele, o acordo de Barbados foi cumprido e chega no dia das eleições como um documento que foi referência para este processo.

“Foi o presidente mais assediado, mais criminalizado e em termos políticos, sempre se pensou que ele não permitiria uma competição eleitoral, mas ele nunca fez isso. A oposição não quis participar de 2018, o governo jogou pesado com as inabilitações, mas o que se vê é um governo que permite a participação eleitoral. A oposição está participando e vai concorrer e podemos dizer que se está cumprindo o acordo de Barbados”, afirmou. 

Entidades brasileiras como o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) mandaram observadores. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iria enviar representantes, mas cancelou a iniciativa após Maduro afirmar – errôneamente – que as urnas brasileiras não são auditáveis. 

Pesquisas sem rigor

Os eleitores não têm um termômetro que ajude a saber que candidato tem mais chance de ganhar. Com resultados muito diferentes, especialistas entendem ser possível até um empate técnico neste momento, analisando as pesquisas eleitorais.

Os números não parecem confiáveis. Alguns institutos colocam Edmundo González Urrutia com até 30 pontos percentuais de vantagem sobre o presidente Nicolás Maduro. Já outras, indicam vitória do candidato à reeleição com a mesma folga de 30 pontos percentuais sobre o candidato da Plataforma Unitária. São os casos das pesquisas conduzidas pela Delphos e pela Hinterlaces. 

E as duas organizações são ainda as mais transparentes em relação à metodologia, tendo divulgado quantas pessoas entrevistaram. A Hinterlaces está mais ligada ao governo e mostra o recorte de idade e de classes sociais da amostragem. Já a Delphos indica a idade mínima das entrevistas (18 anos) e afirma que todas as pessoas que responderam estão registradas no Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE).

Da Redação