Professor destaca importância ambiental de Águas Emendadas, a ‘constelação de nascentes’ do DF
Brasil de Fato
A Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESEC-AE), localizada em Planaltina, é um dos principais pontos de conservação ambiental no Distrito Federal, além de ser também uma fonte de primeira importância para o abastecimento de água no DF e lugares de outras regiões do país.
Atualmente, a Águas Emendadas vive a contradição entre ter seu espaço natural preservado e as ameaças de degradação por ações antrópicas, muitas vezes, por questões que envolvem interesses políticos e econômicos.
O Brasil de Fato DF já abordou os riscos que envolvem a contaminação de mercúrio no solo ao redor e problemas ambientais que tendem a aumentar por conta da intensão do Governo do Distrito Federal (GDF) em duplicar a BR128, que passa ao lado dos contornos da ESEC-AE.
Confira a seguir a entrevista realizada com Adeilton Oliveira, professor do Instituto Federal de Brasília (IFB), morador da região de Planaltina e ativista ambiental pela preservação de Águas Emendadas, sobre a importância ambiental desse estação ecológica.
Brasil de Fato DF – Sobre a região de Águas Emendadas, existe uma série de problemas derivados da ação humana ao redor, e envolve problemas sociais, econômicos e políticos característicos do desenvolvimento do Distrito Federal. Porém, a estação ecológica se mantém bem preservada e com exuberante núcleo de fauna, flora e fonte hídrica característicos do Cerrado. Qual é a situação atual de conservação da estação ecológica Águas Emendadas?
Adeilton Oliveira – Águas Emendadas é desconhecida por uma grande parte da população. Existe uma série de problemas ambientais de causas antrópicas e contaminação ao redor, mas eu tenho uma perspectiva nova. Estive dentro de Águas Emendadas durante duas semanas seguidas, fazendo uma pesquisa para um trabalho que resultou em um documentário, disponível no YouTube.
Nesse documentário, mostramos que, apesar da pressão antrópica, Águas Emendadas está bem conservada. Fiz mais de 500 imagens, tanto da lagoa quanto da nascente da grande vereda, percorrendo ela de ponta a ponta, que tem 6 km de comprimento e, em alguns lugares, chega a 1 km de largura.
Houve um boato de que a nascente de Águas Emendadas tinha secado. A grande vereda teve um rebaixamento significativo, mas, apesar disso, ela está cumprindo a função de manter a água. Não existe relato em nenhum outro lugar do mundo de uma nascente que vá para dois lados, como se estivesse no ponto de equilíbrio das águas ali. É algo fascinante. Estarei em Águas Emendadas nos próximos dois anos, fazendo uma série histórica e acompanhando o que está acontecendo.
Os problemas ambientais causados pelo homem são todos reais, incluindo a duplicação de rodovias, animais domésticos abandonados que invadem a área e caçadores de animais silvestres que entram sem autorização. As pessoas que cuidam do local são verdadeiras guerreiras, pois são poucas para a dimensão de Águas Emendadas. Em 2017, durante a crise hídrica em Brasília, Planaltina foi a única cidade que não passou por racionamento hídrico, graças a Águas Emendadas.
Qual a importância da ESEC-AE considerando sua estrutura hídrica e irrigações que abastecem outros pontos de acesso à água no país inteiro?
Dentro de Águas Emendadas, nascem nascentes, uma vai para o Norte e outra para o Sul. A do Norte vai para a bacia do Tocantins-Araguaia, a mais importante do Brasil que, hoje, abastece quase 100 milhões de pessoas. Temos também a bacia do Platina. Perto de Águas Emendadas, ainda temos a Lagoa Feia, onde nasce um dos primeiros grandes rios que abastece a bacia do Rio São Francisco, o Rio Preto.
Apesar dos problemas ao redor, os servidores do Ibram [Instituto Brasileiro de Museus] e pesquisadores têm feito um trabalho fundamental lá dentro. A pesquisa serve como pretexto para fiscalizar o que está acontecendo. É importante falar sobre os problemas, mas, também, mostrar a grandiosidade de Águas Emendadas, um fenômeno hídrico único no mundo.
A água é, atualmente, nosso recurso mais ameaçado. Águas Emendadas é chamada de “Constelação de Nascentes” pela variedade de fontes hídricas. Descobrimos sítios arqueológicos e bananeiras de 7 metros de altura, com bananas minúsculas e nativas. Temos muita coisa a preservar para que nossos filhos e netos tenham essa fonte de água no meio do Cerrado.
Na sua experiência de trilhas e pesquisa pela região norte do DF, você já encontrou várias preciosidades arqueológicas, tendo inclusive descoberto fósseis pré-históricos e artefatos indígenas feitos por comunidades que viveram na região há milhares de anos. Poderia falar sobre a importância arqueológica de Águas Emendadas e da região de Planaltina Quais vestígios históricos foram encontrados lá?
Planaltina é cercada por muitos sítios arqueológicos devido à abundância de água na região. Temos vestígios de até 11 mil anos na Gruta dos Milagres, em Planaltina de Goiás; na Pedra do Bisnau, em Formosa; e na Toca da Onça, que têm vestígios pré-históricos. Em Planaltina, ainda não temos um sítio arqueológico cadastrado devido ao desinteresse em pesquisas na região, mas encontramos indícios de ocupação humana muito antiga, como muros de pedras coladas com barro, anteriores ao uso do adobe.
Também encontramos possíveis fósseis e ferramentas líticas que estamos estudando para comprovar. Onde há água, há vestígios da presença humana.
Como é o trabalho de professores da região com alunos voltados para o interesse ecológico e arqueológico baseado no que a região norte do DF oferece como possibilidade de experiência
No Instituto Federal, oferecemos uma disciplina chamada Trilhas Arqueológicas e Ambientais, onde levamos os estudantes para conhecer o Cerrado e os sítios arqueológicos da região, como na comunidade da Fercal. Professores, técnicos e alunos se reúnem para criar um ambiente de aprendizado participativo e reflexivo. Temos um trabalho colaborativo que envolve toda a comunidade acadêmica em questões ambientais, transformando o campus em um espaço de convivência agradável e sustentável.
As práticas educacionais envolvem tirar os estudantes da sala de aula e levá-los para o campo. A experiência de estar no Cerrado, em uma cachoeira ou caverna, é algo que eles nunca esquecem. Isso vai para a memória de longo prazo, diferente do que se aprende apenas nos livros. Levo alunos e professores para essas saídas de campo, e eles voltam cansados, mas com a mente cheia de novas ideias e experiências. A prática educacional deve ser experiencial, não só teórica.
Há também trabalho de incentivo ao florestamento. Em novembro, nós iremos começar o plantio de 100 baobás aqui no Distrito Federal, 20 serão em Planaltina, próximo da Pedra Fundamental, e 80 serão plantados ao longo de um ano. Será uma grande concentração de baobás plantados ao mesmo tempo, em um único lugar, e várias outras dezenas vão para escolas públicas, em locais que busquem o plantio dessa árvore, que é linda e robusta. Haverá um termo de responsabilidade para garantir o cuidado com a planta para que ela possa realmente vingar.
Como o senhor avalia a atuação dos órgãos de preservação ambiental e as políticas públicas do GDF em relação a Águas Emendadas?
Minha avaliação é que os órgãos têm diferentes interesses com relação ao desenvolvimento e ao setor imobiliário em contraposição ao meio ambiente. O meio ambiente trava algumas coisas, esse desenvolvimento não pode ser feito da maneira que os financistas do GDF querem. Tem que ter um mínimo de responsabilidade. Hoje, precisamos de uma responsabilidade muito maior devido à crise climática e as perspectivas não são boas.
Os servidores de carreira têm um compromisso grande com a área em que trabalham, embora a política, às vezes, queira liberar tudo para fins de exploração. Nos últimos quatro anos, a ordem do [ex-]ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] era “passar a boiada”, ou seja, flexibilizar tudo. Não podemos permitir isso, pois a curto prazo sofreremos as consequências.
Como a região fica com relação às pressões do setor privado, seja através da especulação imobiliária, grileiros ou de latifundiários?
O lado sul de Brasília já se desenvolveu e não tem mais para onde crescer, então, o lado norte é agora a bola da vez. Existe uma pressão devido ao Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) e à flexibilização das áreas tombadas do Distrito Federal. Estão fazendo novos asfaltamentos para atender essa demanda de ocupação humana e promover setores interessados. Planaltina é uma das regiões que têm a maior área de Cerrado no Distrito Federal, com cerca de 10 parques ambientais.
As invasões de terra estão se tornando cada vez mais comuns. Hoje, conheço pelo menos seis grandes invasões de terra na cidade, onde o governo retira as pessoas, mas elas voltam. Muitas pessoas precisam de moradia, mas há também um grande número de aproveitadores e grileiros.
Um dos principais problemas relatados atualmente é a duplicação da Rodovia BR-128. Sabe como está o processo dessa obra e como ela afeta a ESEC-AE?
Recebemos várias denúncias. Segundo o Ibram, a duplicação não foi autorizada, mas o GDF diz que fará um alargamento, o que, na prática, é uma duplicação disfarçada. Essa não é a melhor solução para Planaltina de Goiás. Temos a BR-205, que poderia ser asfaltada por 11 km, criando uma via exclusiva para Planaltina de Goiás e o Plano Piloto. A duplicação da 128 afunilaria quando chega na BR-020, criando um engarrafamento ainda maior.
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