No Chile, Lula defende a paz na Venezuela e pede diálogo entre as forças políticas
Brasil de Fato
Em coletiva de imprensa no Palácio de la Moneda, em Santiago, nesta segunda-feira (5), os presidentes do Brasil e do Chile deram declarações sobre a situação na Venezuela após as eleições presidenciais do dia 28 de julho, que deram vitória ao atual presidente Nicolás Maduro e o não reconhecimento dos resultados por parte da oposição.
Gabriel Boric, presidente chileno, foi breve e evitou entrar o mérito das eleições venezuelanas. “Particularmente com relação à Venezuela, estimado presidente, agradeço, principalmente a você e sua delegação, seu carinho, sua experiência e trajetória, poder compartilhar, aprender de sua preocupação com os mais despossuídos, pela integração de nossos povos, para construir uma esquerda democrática, com progressismo, e sempre, que se faça respeitar os direitos humanos em qualquer lugar”, disse o presidente chileno.
Já o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defendeu o respeito à soberania popular e o diálogo como forma de dirimir as divergências entre os setores políticos que disputam o poder na Venezuela.
“Também expus as iniciativas que tenho empreendido com os presidentes Gustavo Petro e López Obrador em relação ao processo político venezuelano. O respeito pela tolerância, o respeito pela soberania popular, é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes ao diálogo e promover o entendimento entre o governo e oposição”, disse.
Lula destacou a necessidade de posições ponderadas diante do risco de cometer injustiças históricas e falhar na defesa da democracia.
“Hoje, enquanto o presidente Boric me guiava pelo Salão da Democracia e Memória e me apresentava a gravação do último discurso de Salvador Allende, lamentei que o Brasil tem em sua história a triste mácula de ter apoiado a ditadura chilena”, destacou.
Lula está no Chile para uma visita oficial de dois dias ao país. Pela manhã, ele foi recebido por Boric. No início da tarde, houve a assinatura de acordos, memorandos de entendimento e declarações conjuntas, além da troca de condecorações entre os dois chefes de Estado.
Outros assuntos
Em sua declaração à imprensa, o presidente chileno destacou a amizade recíproca entre o Brasil e Chile e anunciou que o país andino fará parte da Aliança Global contra a Fome, proposta do Brasil na presidência do G20 para a garantia da segurança alimentar dos povos do mundo. “Quem melhor que o Brasil, principalmente o Lula, para contar a experiência que eles fizeram dentro de seu país contra a fome e a pobreza Temos consciência que podemos trabalhar em conjunto”, afirmou.
Lula destacou a necessidade de esforço conjunto no combate à crise do clima e de uma ação coordenada para o enfrentamento ao crime organizado internacional, que ameaça a segurança de todos os países da região. O presidente ressaltou as diversas parcerias entre os dois países em matéria de turismo, ciência e tecnologia, comércio e integração regional.
O chefe de Estado brasileiro convidou o presidente chileno a participar da reunião de lideranças democráticas contra o extremismo, organizada em conjunto com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em Nova Iorque. O evento ocorrerá no contexto da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em setembro. Lula também criticou a diplomacia brasileira durante o governo anterior. “O Brasil saiu do apagão diplomático que ele se submeteu de 2018 a 2022”, disse.
Agenda da visita
No encontro, foram assinados cerca de 20 acordos e protocolos de entendimento bilateral em diversos assuntos, como um memorando de entendimento para cooperação técnica em agropecuária, outro entre os ministérios dos Direitos Humanos dos dois países sobre a garantia de direitos das pessoas LGBTQIA+. Além disso, outros 13 acordos de cooperação foram assinados nas áreas de agricultura, saúde, ciência e inovação, redução de desigualdades, segurança alimentar, energia, entre outros.
Os presidentes participam ainda do encerramento do Foro Empresarial Brasil-Chile, organizado pelo Itamaraty em conjunto com a ApexBrasil e a agência de promoção comercial chilena ProChile. A atividade conta com representantes de mais de 400 empresas dos dois países. Lula também se encontra com os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado e da Corte Suprema do Chile, e com a prefeita de Santiago.
De acordo com o Itamaraty, o Brasil é o país latino-americano que mais investe no Chile, sendo o terceiro maior parceiro comercial do país andino, enquanto o Chile é o sexto maior mercado para as exportações brasileiras. Em 2023, o intercâmbio comercial Brasil-Chile alcançou USD 12,3 bilhões, o equivalente a mais de R$ 70 bilhões.
Na terça-feira (6), antes de retornar ao Brasil, o presidente Lula participará da inauguração da pedra fundamental do Centro Espacial Nacional (CEN) do Chile.
Amigos, amigos, divergências à parte
Em maio de 2023, durante uma cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia, em Brasília, os presidentes Lula e Boric manifestaram publicamente pela primeira vez suas discordâncias.
O presidente chileno fez críticas à posição de países latino-americanos com relação à guerra na Ucrânia, e cobrou que os líderes políticos fossem mais enfáticos quanto à condenação da Rússia pela operação no vizinho europeu. O Brasil tem adotado uma posição de neutralidade em relação ao conflito, condenando a violência, mas destacando a necessidade de construção da paz com todos os atores envolvidos na guerra.
Em coletiva de imprensa ainda durante o encontro, Lula afirmou que a Venezuela era vítima de uma campanha de narrativa de “antidemocracia e de autoritarismo”, o que foi criticado por Boric. O chileno afirmou à época que a suposta violação de direitos humanos pelo governo de Nicolás Maduro “não é uma construção narrativa, é uma realidade”.
Em resposta, o presidente brasileiro afirmou que Boric era um “jovem sequioso e apressado”. “Eu já tive a pressa do Boric”, disse Lula. “Possivelmente deve ter sido a primeira reunião do Boric da União Europeia com a América Latina, ele tem um pouco mais de ansiedade que os outros. Só isso”, afirmou presidente brasileiro.
Na coletiva desta segunda-feira, Lula defendeu a diversidade de opiniões e de cultura política de cada país. “Cada país tem sua cultura, cada país tem os seus interesses, cada país tem a sua nuance política. A gente não pode querer que todo mundo fale a mesma coisa, que tenha a mesma coisa. Nós não somos iguais, nós somos diferentes”, disse o presidente.