Consolidação eleitoral do bolsonarismo em Belo Horizonte representa risco a valores democráticos, avalia cientista político
Brasil de Fato
A poucos dias do segundo turno das eleições, o Brasil de Fato MG entrevistou o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ricardo Mendonça para avaliar sobre o cenário da disputa em Belo Horizonte.
No dia 27 de outubro, os belo-horizontinos escolherão entre o candidato à reeleição Fuad Noman (PSD) e o deputado estadual bolsonarista Bruno Engler (PL) para a condução do executivo municipal.
Na avaliação de Ricardo Mendonça, que também é integrante do Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (Margem), além das questões próprias da capital mineira, a ideia de democracia como valor também está em jogo na disputa, uma vez que a extrema direita coloca em “xeque muitos valores centrais à sobrevivência democrática”.
Para ele, a vitória de Bruno Engler no pleito não é o cenário mais provável, mas consolidaria a força do campo bolsonarista em Minas Gerais.
“A eleição de um bolsonarista na capital mineira selaria a transição em curso para gestões menos abertas ao contraditório, à participação institucionalizada e à promoção efetiva da igualdade. Além disso, seria um palanque muito importante para a expressão nacional de um movimento que está se reinventando, em face da inelegibilidade de Bolsonaro”, avalia o cientista político.
Leia a entrevista completa:
Brasil de Fato MG – Em BH, Bruno Engler, candidato apoiado por Bolsonaro, disputa o segundo turno. Na sua avaliação, o que significaria para a cidade a eleição dele?
Ricardo Mendonça – A eventual eleição de Bruno Engler significaria o avanço do bolsonarismo em Belo Horizonte e seria uma evidência grande de mudanças na correlação de forças da cidade.
BH tem uma tradição de prefeitos à esquerda e de experiências participativas. A cidade tem um rico histórico de políticas públicas de assistência social e de inovações em diversas áreas, como a educação infantil.
As mudanças que aconteceram nas últimas décadas se fazem claras, todavia, a partir de uma perda de força da esquerda, ainda que algumas políticas orientadas por partidos de esquerda permaneçam em voga.
O que se nota, contudo, é o crescimento do bolsonarismo, que já ficou claro nas eleições presidenciais, quando Lula perde na capital. Uma vitória de Engler consolidaria essa força bolsonarista em Minas Gerais, que já ficou patente com a reeleição de Romeu Zema (Novo) para o governo do estado.
Minas é um estado chave nas eleições nacionais e uma eventual vitória de Engler, que não me parece o mais provável de acontecer, fortaleceria o bolsonarismo como movimento e como visão de política.
A eleição de um bolsonarista na capital mineira selaria a transição em curso para gestões menos abertas ao contraditório, à participação institucionalizada e à promoção efetiva da igualdade.
Além disso, um representante bolsonarista na capital mineira seria um palanque muito importante para a expressão nacional de um movimento que está se reinventando em face da inelegibilidade de Bolsonaro.
Na sua avaliação, por que, mesmo após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, candidatos bolsonaristas ainda têm força eleitoral nas grandes cidades brasileiras?
Candidatos bolsonaristas têm força eleitoral por uma razão muito simples: Bolsonaro é representativo do que pensa e do que quer parte da população brasileira. Ele oferece respostas simples em tempos de incerteza e consegue mobilizar, emocionar e impulsionar comportamentos.
Muita gente se identifica com ele e vê nele uma expressão rasgada do que teriam vontade de dizer. Bolsonaro representa essas pessoas e não são poucas as que veem nas transgressões dele uma saída para tempos impossíveis.
A isso se vincula uma segunda questão: a revolta anti-institucional presente no discurso de Bolsonaro é capaz de projetar a ascensão de muitas novas lideranças. Algumas até podem questionar o próprio clã Bolsonaro, como vimos recentemente na ascensão de Pablo Marçal. Essa capacidade de aglutinar indignados e projetá-los a espaços de poder é muito singular.
Em muitos municípios importantes, candidatos bolsonaristas à Câmara de Vereadores foram os mais votados. Essa capacidade de impulsionar pessoas em diversos cantos do país e de ter seu discurso reverberado de forma capilarizada ajuda a entender a força do bolsonarismo, que perdeu uma eleição e algumas batalhas, mas que expressa a indignação de um país que sempre foi conservador, desigual e excludente. Bolsonaro não inventou nada disso, mas se beneficiou de matrizes culturais e práticas muito arraigadas em nossa história.
O que está em jogo, em termos de valores democráticos, com o crescimento do bolsonarismo e da extrema direita no Brasil?
O que está em jogo é a própria ideia da democracia como valor. O governo Bolsonaro colocou em xeque muitos valores centrais à sobrevivência democrática. Houve ataques diversos aos valores de igualdade, participação, pluralidade, exercício de controles e debate público, para citar alguns poucos exemplos.
A maneira como instituições participativas foram atacadas e a recusa em considerar adversários como atores políticos legítimos são evidências cabais nessa direção. A própria institucionalidade da democracia viu-se frontalmente desafiada, como explicitam os atos de 8 de janeiro de 2023.
O bolsonarismo se apresenta, assim, como um conjunto de ideias para a renovação reacionária da política que independe da democracia, ameaçando a democracia, ao colocar outros valores à sua frente.
A consolidação do bolsonarismo, que pode inclusive adquirir outros nomes, pode ser percebido, dessa forma, como uma consolidação de um jeito de pensar a política que não só fere as democracias reais existentes, mas compromete, no longo prazo, o lugar normativo ocupado pela ideia de democracia.
Bruno Engler e outros representantes do bolsonarismo têm histórico de participação em manifestações antidemocráticas. Para você, o que isso revela sobre os valores defendidos por eles?
O bolsonarismo em si tem dado sinais claros de desprezo pela democracia. Diante de tudo o que ocorreu ao longo dos 4 anos de governo Bolsonaro, diante do que se passou em janeiro de 2023 e diante de tudo aquilo que Bolsonaro defende historicamente sobre a política brasileira, há evidências bastante concretas para subsidiar o argumento de que a expansão do bolsonarismo em si fortalece ideias que enfraquecem a democracia.
Ao se apresentar como expressão local do bolsonarismo e não se posicionar contra os ataques à democracia feitos por tal movimento, fica evidente que há valores colocados por Bruno Engler contrários ao ideário democrático.