Agro mobiliza região de Terra Roxa, no Paraná, contra indígenas; dois foram atropelados

Brasil de Fato

A escalada de violência contra indígenas no Oeste do Paraná tomou novas proporções no início desta semana. Grupos ligados ao agronegócio, com maquinários e faixas, ocuparam a área fronteiriça à Fazenda Brilhante, localizada no interior do município de Terra Roxa, onde vinte e duas famílias indígenas Avá-Guaranis reivindicam o território desde o dia 5 de julho. Dois indígenas foram atropelados e barracos com suprimentos foram queimados, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 

A área em questão está dentro da região Guasu Guavirá, um território indígena já delimitado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018, entre os municípios de Guaíra, Terra Roxa e Altônia, mas que devido à Lei 14.701/2023, conhecida como Marco Temporal, não consegue ser reivindicada. 

Dentro dessa grande área existem 17 tekohas, como são chamadas as aldeias, mas por não comportarem mais os indígenas que ali estavam, moradores das tekohas Yvy Porã 2 e Yvyraty Porã 2 iniciaram a retomada de parte do território de Guasu Guavirá, que passa dentro dos limites da Fazenda Brilhante.

Os indígenas reivindicam 25% desse território – a extensão total da fazenda ultrapassa 530 hectares. 

Ali, eles se organizaram nos acampamentos Arakoé e Arapoty. Desde o início desse processo, milícias rurais têm cercado o território, impedindo a entrada e saída de pessoas, bem como o acesso a alimentos.

Um vídeo enviado pelo cacique Isaias Benites, que está em Arakoé, mostra caminhonetes circulando a área na tarde do último sábado (13). Ao final da gravação, é possível ouvir disparos de arma de fogo.

“Os fazendeiros nos atacaram. Eles dispararam com arma de fogo, queimaram barracos, se as mulheres e crianças não corressem seriam atingidas também”, narrou o cacique Isaias sobre o conflito do fim de semana.

Continua abaixo do vídeo.

“Estamos aqui porque a terra é nossa e está dentro da delimitação de Guasu Guavirá. Não viemos de outro país. Nós somos daqui e estamos pegando nossa terra de volta. Ela já deu muito lucro aos fazendeiros. Não queremos toda ela. Queremos um pouco para poder sobreviver. Nossos antepassados não venderam para eles a terra, estamos aqui e não vamos sair”, afirmou.

Do outro acampamento, o representante Anildo Vinhale disse que estão em 12 famílias no local. No sábado (13) à noite, sete pessoas armadas apareceram e atiraram contra os indígenas. Um barraco pegou fogo, junto de um rolo de lona, que seria usado para armar acampamento. 

Com a confusão, uma criança e uma idosa desapareceram, sendo encontradas só mais tarde próximas a um rio. 

“Foram vários disparos em cima de nós, além de que perdemos nossos documentos, tudo”, frisou.

A Força Nacional já estava no território, mas foi incapaz de conter o avanço da violência. Por isso, os indígenas iniciaram a defesa do território de maneira autônoma.

A ação teve uma contrarresposta rápida. Na segunda-feira (15), as represálias aumentaram e um grupo de fazendeiros cercou a comunidade, atropelando dois indígenas, de acordo com informações do Cimi. 

O grupo de agressores manteve o cerco, contando com apoio de grupos aliados ao agronegócio, que passaram a ocupar a rodovia PR-496, no trecho próximo à fazenda, com máquinas agrícolas e faixas que cobravam uma medida do governador Ratinho Junior (PSD). 

A Secretaria de Estado da Segurança Pública enviou um contingente de policiais até o local. 

Mesmo com as ameaças contra indígenas e os dois atropelamentos registrados, na terça-feira (16), um vídeo mostra o momento em que um dos agentes conversa com os fazendeiros. Ele afirma que está no local para “evitar confronto direto” e que o “pessoal da invasão está contido”.  

Já do lado indígena, os caciques negam que houve qualquer contato dos policiais com eles. 

Em entrevista à imprensa local, o advogado que representa o proprietário das terras disse que entraria com pedido de reintegração de posse. A reportagem tentou contato com o representante e não conseguiu ser atendida. 

Guasu Guavirá e Fazenda Brilhante

A Fazenda Brilhante, localizada em Terra Roxa, oeste do Paraná, ocupa quase 530 hectares e é dedicada à produção de soja e milho, atividades predominantes na região. Esse cenário impulsiona o setor agrícola a resistir à demarcação de terras indígenas, temendo a redução de áreas cultiváveis e impacto nos lucros.

Segundo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Funai, grande parte da área de Guasu Guavirá foi desmatada para dar lugar a monoculturas. Os indígenas que restam estão confinados entre essas plantações.

Em 2020, a soja ocupava 33.890 hectares em Guaíra, representando 60% da área total do município. Em Terra Roxa, a soja abrangia 54.500 hectares, quase 70% da área total. Dados da Pesquisa Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2021, a agropecuária ocupava cerca de 80% das áreas de Guaíra e Terra Roxa, enquanto a vegetação nativa correspondia a 9,6% e as áreas indígenas a apenas 0,2%.

A comercialização da soja e do milho na região é dominada pelas cooperativas agroindustriais C.Vale, Copagril, Integrada e pela empresa Riedi Grãos e Insumos. Essa última é identificada no RCID como “ocupante não indígena” do território Guasu Guavirá.

Com esse impacto, o setor do agronegócio avança sobre os indígenas e usa de sua influência para que o Marco Temporal siga em vigor, impedindo a demarcação dos territórios. 

Para o Cimi, enquanto não houver a revogação da 14.701/2023, os conflitos devem persistir, o que é endossado pelo secretário Nacional de Direitos Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Marcos Kaingang.

A alternativa, segundo afirmou ele à reportagem do Brasil de Fato Paraná, é a criação de Grupo de Trabalho (GT) para estudo antropológico inicial da área reivindicada no caso das duas ocupações. 

Operação Tekoha 4

Paralelo a isso, e em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e a Funai, o MPI iniciou na terça-feira (16), duas missões para mediar conflitos fundiários. 

A Funai ressaltou que conta ainda com apoio de servidores de outras coordenações regionais da Fundação, e que colocou em andamento no território a operação Tekoha 4, “que visa evitar atos de violência contra os indígenas, mobilizados pela garantia de seus direitos territoriais”.

A Força Nacional já estava na região e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) ressaltou à reportagem que o policiamento foi reforçado desde terça-feira (16).

Da Redação