Em processo de assentamento, comunidade no Pará relata ameaças e intimidações

Brasil de Fato

Após 17 anos de ameaças, violências e até assassinato, moradores do Acampamento Quintino Lira, no município de Santa Luzia do Pará, conquistaram a regularização fundiária no primeiro semestre de 2024. Apesar do avanço, cerca de 150 famílias que vivem no território ainda relatam ameaças e intimidações

De acordo com relatos ao Brasil de Fato, há dois acampados já incluídos no serviço de proteção à vida. Apesar disso, drones são vistos “diariamente” em possível monitoramento e gados, soltos no território, ameaçando criações e plantações dos acampados.

Para auxiliar na defesa das famílias e no processo burocrático de assentamento, estatava prevista para a sexta-feira (2) uma reunião com grupos e entidades oficiais. No entanto, ela foi adiada e ainda não tem nova data definida. Estavam entre os convidados o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ministério Público Federal, Prefeitura Municipal de Santa Luzia do Pará, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública Estadual, Diretoria de Polícia Especializada (Deca), Polícia Civil de Santa Luzia do Pará, Movimento Sem Terra e representantes da Assembleia Legislativa do Pará.


Acampados construíram guarita e mantêm sistema de segurança por conta própria. / Mariana Castro

Os moradores também se queixam de dificuldades de acesso ao local. A estrada que dá no assentamento está em fase de pavimentação e, para quem não é da região, ainda são necessárias cerca de três conduções para chegar até lá. 

Acampada desde 2007, ano em que foram levantados os primeiros barracões, Maria do Socorro, conhecida como Mariazita, é professora no acampamento e reconhece a regulação do território como uma vitória.

“A gente sofreu muito, foi ameaçado, mas, mesmo com tudo isso, nós aguentamos, resistimos e estamos agora fazendo a conquista da terra. Cada família tem seu lotezinho de terra para ir trabalhando, para tirar o sustento da terra para nossos filhos, nossos netos, para as crianças que estão no acampamento”, diz.


Famílias têm fartas plantações de feijão, mandioca, frutas e hortaliças, além de criação de animais. / Mariana Castro

A professora também recorda violências sofridas e que ainda amedrontam moradores. “A gente trabalhava, o pistoleiro do fazendeiro vinha atacar a gente na roça”, diz. “Teve pai de família que eles fizeram arrancar as estacas, com força, no sol quente. Fizeram eles arrancar 200 pés de pimenta”.

“Eu também fui ameaçada com meu marido, eles vieram [num grupo] de três, colocaram arma na gente, fizeram a gente vir embora, fizeram eu andar no mato e mostrar onde tinha barraco, onde as pessoas estavam, onde não estavam…”, lembra Mariazita sobre um dos episódios vividos.


Construção coletiva de poço artesanal para abastecer famílias acampadas mais distantes da vila. / Mariana Castro

“A gente quer a terra para trabalhar, por isso, a gente sofreu todas essas agressões e suportou até hoje. Hoje a gente está com a vitória na mão. A gente conseguiu, a terra foi desapropriada, já estamos trabalhando na criação do assentamento e a gente está aqui lutando”, complementa.

Após publicação da resolução de criação do projeto de assentamento, no dia 21 de junho, pelo Incra, as famílias receberam a garantia de uma área de 4.932 hectares. Atualmente, há uma mobilização para ampliar o plantio e a área de vivência do acampamento, que ainda se restringe a uma vila que conta com escola, igrejas, pequenos comércios e um campo de futebol.

“A partir do momento que você vem para uma terra dessa, para a luta, você quer produzir, tirar seu sustento da terra. E aí viemos, fizemos nosso barraco, estamos nos virando com nossa alimentação, estamos hoje cavando um poço, já começamos as nossas roças. Essa documentação é mais uma conquista nossa”, explica o acampado Raimundo Flávio.

As famílias também lamentam a impunidade diante das violências sofridas ao longo dos anos e cobram justiça pelo assassinato do acampado José Valmeristo, conhecido como Caribé, morto em 2010. 

“Eu já tive medo, cisma, eu acho injusto o que a justiça faz. Esse assassinato não ficou só aqui no estado. Ficou internacionalmente conhecido e até hoje está impune”, desabafa João Batista. “Eu só queria que no nosso país a justiça tivesse mais cuidado com a gente, ser humano. Já era para a justiça ter resolvido isso aqui há 17 anos.”

A reportagem tentou contato com a família Bengtson, responsável pela fazenda na proximidade do acampamento e acusada de envolvimento em episódios de ameaças e conflitos às famílias, mas não teve retorno.

Da Redação