Indignação na China pelo uso de ‘dois pesos, duas medidas’ dos EUA sobre doping nas Olimpíadas

Brasil de Fato

Nos últimos dias das Olimpíadas de Paris, mídias, agências e usuários das redes sociais chinesas mostraram indignação com a atitude dos Estados Unidos em relação à dopagem na competição. 

Nesta segunda-feira (12), a hashtag “China garante vitória significativa na batalha antidoping contra os EUA”, se manteve durante mais de 4 horas nos trendings do Weibo, a rede social chinesa equivalente ao Twitter. A hashtag se refere ao entendimento de que a China teria conseguido superar a “extrema pressão dos Estados Unidos”, sem deixar que seus atletas fossem afetados pela campanha em relação ao doping promovida pelos Estados Unidos. A China empatou com 40 medalhas de ouro com os EUA e ficou em segundo lugar, pelo critério de quantidade de medalhas de prata (44 contra 27). 

Em abril, dois meses antes dos jogos começarem, o jornal The New York Times e a emissora alemã ARD publicaram uma matéria com o título: “Os melhores nadadores chineses testaram positivo para droga proibida e ganharam ouro olímpico”. A reportagem foi sobre um teste positivo de nadadores chineses para trimetazidina (TMZ), durante competição na China em junho de 2021, pouco antes das Olimpíadas de Tóquio. 

A partir da publicação, outras mídias estadunidenses e a Agência Antidoping dos EUA (USADA) acusaram a China de desrespeitar regras internacionais. O presidente da USADA, Travis Tygart, acusou a Agência Mundial Antidopagem (WADA, na sigla em inglês) de encobrir junto com a Agência Antidopagem da China (CHINADA) o uso da droga por parte dos nadadores chineses. Em uma entrevista ao Politico, Tygart chegou a afirmar que a WADA e os atletas chineses ameaçavam fazer das Olimpiadas de Paris um “desastre”. 

Por sua vez, tanto a WADA como a Agência Chinesa Antidopagem (CHINADA) rejeitaram as insinuações e acusações. A agência chinesa afirmou que o que havia encontrado à época foi uma “concentração extremamente baixa” de TMZ, que investigou a “organização do evento, acomodação, uso de medicamentos e suplementos, bem como procedimentos de teste de doping”, e concluiu que os atletas foram expostos à substância por contaminação de alimentos/ambiente como resultado de TMZ detectado na cozinha do evento. O órgão decidiu não responsabilizar os atletas, e informou tanto a WADA, como a World Aquatics (antes chamada de Federação Internacional de Natação [FINA]), o único órgão regulador dos esportes aquáticos em nivel mundial.

Após a reportagem, a WADA divulgou uma declaração onde afirma que seu departamento de Ciências analisou o caso em junho e julho de 2021, coletando “informações científicas adicionais não publicadas sobre TMZ” e consultando especialistas científicos independentes, tanto para “testar a teoria da contaminação” como para verificar se baixas doses de TMZ poderiam ter beneficiado os atletas”. Com base nos dados, a agência concluiu que não era possível questionar a hipótese de contaminação e de que os atletas não seriam considerados culpados ou negligentes. 

Uma informação importante revelada na declaração da agência internacional foi a de que a USADA entrou em contato com a WADA já no ano passado para informar que “uma fonte não especificada” denunciou a eles que casos positivos de TMZ haviam sido ocultados pela China. 

“Essa informação era claramente errônea, pois os casos positivos de TMZ haviam sido relatados e decididos pela CHINADA, bem como revisados ​​minuciosamente pela WADA e pela World Aquatics, quase dois anos antes”, disse a WADA em seu comunicado. 

Ou seja, os Estados Unidos tinham a informação desde 2023, mas só decidiram tornar o assunto público dois meses antes das Olimpíadas de Paris. 

Inclusive as denúncias de supostos encobrimentos de casos de doping na natação chinesa haviam sido feitas pelos Estados Unidos à WADA, já em 2020, antes mesmo do caso de contaminação de TMZ em 2021. 

Tanto a Wada quanto a agência chinesa afirmaram que poderiam tomar ações legais por difamação. 

Desequilibrio nas testagens

A campanha acabou fazendo com que a equipe chinesa de natação tivesse a maior média de testes antidopagem por atleta rumo a Paris. Somando todos os testes conduzidos por diferentes organizações antidopagem, a China foi a equipe de natação (entre as maiores) que foi submetida a mais testes nestas Olimpiadas, e por uma importante diferença, segundo dados da World Acquatics.  

Com 46 nadadores, os Estados Unidos tiveram uma média de 6 testes por atleta, já a China com 31 nadadores, teve uma média de 21 testes por cada esportista. A média dos outros países (todos do Norte Global, ver gráfico), também foi bem abaixo da aplicada à China. 

 

 

O membro da Comissão de Atletas do Comitê Olímpico Internacional (COI), Pau Gasol, disse que achava a situação “lamentável”. “Vimos o número de testes aos quais os nadadores chineses foram expostos apenas para garantir e dar paz de espírito ao resto do mundo (…) especialmente a USADA, para ver que não há nada, que não há absolutamente nada”. Gasol, que é ex-jogador espanhol de basquete, pediu respeito à autoridade da WADA e seu sistema de testes.

 

Insólita reviravolta no final 

A quatro dias da finalização das Olimpíadas, os Estados Unidos simplesmente defenderam a violação do código mundial antidopagem. Na última quarta-feira (7), a agência Reuters revelou um esquema utilizado pela agência dos EUA que permitiu que infratores de regras de drogas continuassem competindo para atuar como informantes, de 2011 a 2014.  

A WADA, que foi informada do esquema em 2021, afirmou que a prática violou regras internacionais. Após a divulgação da matéria, a WADA soltou nota confirmando as denúncias. 

A agência internacional revelou que houve um caso de atleta de elite que “competiu em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais nos Estados Unidos, admitiu ter tomado esteroides e EPO, mas foi autorizado a continuar competindo até a aposentadoria”.

“Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida”, denunciou a WADA. 

Em resposta à Reuters, Tygart defendeu o esquema ilegal praticado pela organização que representa: “É uma maneira eficaz de lidar com esses problemas maiores e sistêmicos (…) Se você tem agentes ou outros que estão caçando atletas e traficando… acho que é totalmente apropriado”.

A CHINADA pediu uma investigação independente sobre o caso. “A USADA há muito ignora suas próprias deficiências antidoping enquanto tenta impor padrões duplos a outros países, expondo sua abordagem hipócrita e inconsistente à aplicação da lei antidoping”, disse a agência chinesa em uma nota ao Global Times.

A agência chinesa também pediu que mais testes sejam feitos em atletas dos Estados Unidos, mencionando o exemplo recente do velocista Erriyon Knighton que testou positivo para o esteroide anabolizante de nome Trembolona em março deste ano, mas foi liberado pela USADA para competir em Paris, sob a alegação de que o resultado foi por ingestão de carne.

“Por que a USADA nunca alertou os atletas americanos sobre o risco de contaminação da trembolona na carne?”, questionou a agência chinesa.

“Se a trembolona é de fato um contaminante comum nos Estados Unidos, a CHINADA gostaria para lembrar atletas de todo o mundo, incluindo atletas americanos, a prestarem muita atenção ao problema de contaminação de carne no país.”

Da Redação