As redes sociais no centro da discussão

Brasil de Fato

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que 88% da população brasileira acima dos 10 anos usa a internet diariamente. Isso significa quase 190 milhões de pessoas.

Considerando o envio e recebimento de mensagens por outros aplicativos além do e-mail, o consumo de vídeos e músicas, e o uso em si, é possível dizer que mais da metade desses acessos foi para as redes sociais.

Afinal, elas servem como ponto de contato entre pessoas, fonte de informações e notícias, local de divulgação de produtos e serviços… e grande meio de divulgação de fake news, além de ponto de calorosas discussões sobre censura e liberdade de expressão.

Veja o caso do X, por exemplo, nome que o bilionário Elon Musk deu ao Twitter ao adquiri-lo por US$ 44 bilhões no final de 2022. No último sábado (17), ele demitiu os últimos 40 funcionários da rede no Brasil e fechou o escritório aqui após uma reunião de emergência.

Um comunicado oficial no X justificou a decisão afirmando que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes “optou por ameaçar nossa equipe no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal” e o próprio Musk twittou que “não há dúvidas de que Moraes precisa sair”.

Essa não é a primeira vez que o bilionário pede a renúncia ou impeachment do ministro, sempre com o argumento de que Moraes comete censura. Tudo isso porque o ministro é relator no STF de inquéritos que investigam a disseminação de notícias falsas em redes sociais, especialmente sobre as urnas eletrônicas, e é autor de despachos que suspenderam perfis envolvidos em espalhar desinformação sobre o tema. Musk também é um dos investigados, o que fez o bilionário se doer ainda mais.

A coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação, Ana Regina Rêgo, contou ao Brasil de Fato que, ao atacar o ministro do STF, Musk tenta fabricar um embate pessoal, mas acaba atacando as instituições de Justiça e em um momento oportuno, às vésperas de eleições municipais.

Para ela, o bilionário utiliza o poder que tem por ser dono de uma rede social para sustentar a narrativa de que há censura por parte de Moraes, mas com questões muito mais profundas: “Temos questões econômicas, temos questões voltadas para a regulação e temos a questão ideológica, que é reeleger os políticos de extrema direita no mundo todo”.

E isso vai muito além do Brasil. Bruce Daisley, ex-vice-presidente do Twitter para a Europa, Oriente Médio e África, defendeu que Musk deveria enfrentar “sanções pessoais” e até mesmo a ameaça de um “mandado de prisão” se estiver provocando desordem pública no X.

Na Venezuela, por exemplo, o recém-eleito presidente Nicolás Maduro determinou a suspensão do X no país por 10 dias, após acusar Musk de incitação ao ódio e ao fascismo. Desde a campanha presidencial, mas principalmente após os resultados, Musk tem apoiado Edmundo González Urrutia e o setor de extrema direita da oposição no país.

O bilionário ainda se alinhou publicamente a líderes de extrema direita na América Latina como os presidentes de El Salvador, Nabil Bukele, e da Argentina, Javier Milei, e tem um interesse na região devido à extração do lítio e outros recursos naturais utilizados por suas empresas.

As posições de Musk vêm levantando questionamentos não só sobre ele, mas também sobre a influência de corporações privadas, comandadas por super ricos, nos debates públicos. Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Rafael Evangelista explicou que a rede de computadores sempre foi colocada como um ambiente de protocolos abertos, quase como um espaço público. Mas há uma necessidade global de regulação das redes sociais.

A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, que seria instituída pelo Projeto de Lei (PL) 2630/2020, é uma tentativa de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e chegou a ser apelidada inicialmente de PL das Fake News. Mas o conteúdo vai além e responsabiliza as próprias redes sociais por não tomarem medidas para frear a desinformação.

Ele quase foi pautado em diversos momentos no ano passado, com a possibilidade de ter alguns pontos rediscutidos e a necessidade de recuo em outros para ter maioria, conforme contou o relator Orlando Silva (PCdoB). E, agora, em 2024, o PL segue não sendo pauta.  

Ao mesmo tempo, as redes sociais são utilizadas para golpes que se aproveitam de vítimas de uma tragédia, para disseminação de notícias falsas sobre os auxílios recebidos em situação de emergência e até para infringir leis eleitorais.

Aparentemente, regulamentar as redes sociais se faz ainda mais necessário já que não é possível regulamentar o uso efetivo que fazemos delas. Não é possível impedir que as pessoas apliquem golpes, se aproveitem de situações extremas ou queiram dar um jeitinho de se beneficiar com as possibilidades apresentadas.

Mas é necessário que as empresas que permitem isso sejam responsabilizadas e ajam ativamente para impedir que situações assim sigam acontecendo. Especialmente considerando que o número de usuários das redes segue subindo.

Do lado de cá, seguimos notificando as incoerências do governo e das empresas em relação ao tema.

Um abraço e bom resto de semana,

Rafaella Coury

Coordenadora de Redes Sociais

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Da Redação