Moradores de Porto Alegre pedem agilidade para acessar auxílio após a enchente

Brasil de Fato

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) voltou a realizar audiência pública sobre a situação da habitação de famílias atingidas pela enchente no bairro Arquipélago, em Porto Alegre. O evento aconteceu neste sábado (24) na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e reuniu moradores das Ilhas Grande do Marinheiro e do Pavão, que criticaram a prefeitura pela demora em acessar programas sociais.

Este é o segundo encontro sobre o tema, que iniciou em 17 de agosto abordando os problemas das famílias das Ilhas da Pintada e das Flores. O assunto vem sendo debatido em uma Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), que busca a implementação da Unidade de Conservação do Delta do Jacuí.

Na ocasião, o projeto de recuperação das ilhas foi apresentado para representantes do Poder Judiciário e moradores das ilhas. O projeto, estruturado em seis etapas, foi apresentado por técnicos da prefeitura vinculados ao Escritório de Reconstrução. Das 14 ilhas existentes no município, cinco são habitadas e terão suas áreas identificadas. O projeto de recuperação está na primeira fase, a de diagnóstico.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) participou da reunião neste sábado. A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre Annelise Monteiro Steigleder destacou que muitas casas foram destruídas e regiões dentro da ilha foram consideradas inabitáveis. “Sabíamos que essa era uma área de muito alto risco de inundação, mas dessa vez, em que o dano a essas pessoas foi muito grave, se entendeu que a questão habitacional precisa ser priorizada”, disse.

Moradores reclamam de dificuldade no acesso a auxílio

No encontro deste sábado, a presidenta da Associação da Ilha do Pavão, Sandra Ferreira, chamou a atenção para a invisibilidade do local onde mora. Segundo ela, os “cerca de 300 laudos de casas danificadas” que foram enviados pela prefeitura de Porto Alegre ao Ministério da Reconstrução deixaram os moradores de fora. “Eles não deixam a gente construir casas na Ilha do Pavão, mas também não tem projeto”, criticou.


A presidenta da Associação da Ilha do Pavão, Sandra Ferreira, chamou a atenção para a invisibilidade do local onde mora / Foto: Jorge Leão

Conforme Sandra, “toda vez que o Poder Público oferece algum programa, a Pavão não se encaixa”. A liderança comunitária pede ao menos que o Poder Público deixe que os moradores tomem providências. “Nós temos pessoas interessadas em reconstruir a Ilha do Pavão, temos doadores, temos equipes já com projetos prontos de palafitas em terrenos em que não serão tão atingidos, ou pelo menos mais preventivos. Parem de atrapalhar, porque eles não vão dar casa para ninguém da Ilha do Pavão, mas infelizmente o que mais fazem é atrapalhar a nossa reconstrução”.

A moradora Cristiane Nunes da Silva relata a “desordem” dos trâmites que as famílias enfrentam para tentar acessar recursos de reconstrução. “As vistorias, eles não entram nas casas, eles tiram da Ilha Grande dos Marinheiros. Não entram nas casas pra ver de parede a parede, pra ver se tá apta para a pessoa entrar pra dentro. Eles só vão lá e diz que tá ok.”


A moradora Cristiane Nunes da Silva relata a “desordem” dos trâmites que as famílias enfrentam para tentar acessar recursos de reconstrução / Foto: Jorge Leão

Segundo ela, apesar das planilhas de atingidos contarem com mais de 500 pessoas em busca de auxílio, “meia dúzia de gato pingado ganhou alguma coisa”. Ela reforça a situação crítica da região. “Se tu for de casa em casa tu vai ver os assoalhos tortos, as paredes caídas, e eles tão dizendo que as casas tão aptas para as pessoas entrarem pra dentro. Na minha casa o banheiro tá afundando, a parede rachou de fora a fora, e eu tô com a minha mãe que é cadeirante dentro de casa. E pra eles tá ok, eu não preciso de aluguel, eu não preciso de ajuda mais nenhuma.”

Karen Ramos Lopes também mora na Ilha Grande dos Marinheiros e integra o comitê da ilha. Ela reforça o coro de insatisfação. “Minha indignação é referente ao Demhab (Departamento Municipal de Habitação), com todos os erros que está cometendo nos laudos. Já foram feitos quatro laudos, todos eles retornam, não resolve situação nenhuma”.


Karen Ramos Lopes também mora na Ilha Grande dos Marinheiros e integra o comitê da ilha / Foto: Jorge Leão

Entre os diversos questionamentos que está fazendo ao Poder Público, ela chama atenção para o Estadia Solidária, auxílio humanitário para famílias que tiveram de sair de casa em razão da calamidade pública. “Muitos moradores que moram na Presidente Roosevelt, no quarto andar de um apartamento, estão recebendo, e nem atingidos foram. E a gente está pagando aluguel, está sendo despejado, no momento, com toda a situação que aconteceu, que foi a terceira enchente, e nada.”

A prefeitura de Porto Alegre contratou 10 empresas para a produção dos laudos sobre as cerca de 20 mil residências que sofreram danos na cidade. O resultado do edital de contratação emergencial foi homologado no início de agosto. Após as vistorias e emissão dos laudos, as famílias serão selecionadas em programas sociais como o Casa Assistida, em que o governo federal vai comprar residências para quem perdeu a moradia e se enquadra nas faixas 1 e 2 do Minha Casa Minha Vida.

Plano emergencial requer olhar para realidade local

Arquiteta gaúcha Raquel Hadrich Silva mora na Holanda há sete anos e faz doutorado em Urbanismo na Universidade de Tecnologia de Delft. Esta é a instituição contratada pela prefeitura de Porto Alegre, por um valor de R$ 7,350 milhões, para a elaboração de um plano emergencial e urbanístico para o bairro Arquipélago.

A pesquisadora conta que sua tese tem foco em como a Holanda se apresenta para o mundo como um centro de conhecimento em relação a alternativas para a adaptação climática. Ela destaca o conhecimento do país europeu na questão. “Diante das perspectivas de cooperação técnica com a Holanda, eu acho que o Rio Grande do Sul tem muito a ganhar com isso. Mas eu digo isso sem deixar de frisar a importância do saber local, a importância de que esses processos passam por uma tradução dos conceitos holandeses de adaptação climática”, comenta.

Ela conta que sua pesquisa aborda a necessidade de criação de uma rede que envolva os diferentes saberes. “O saber técnico, de análise de risco, o saber tecnológico, o saber geológico, todos esses saberes que estão vindo das diversas áreas da ciência, eles têm muito a agregar. Para quando a gente pensa uma solução para um bairro como o Arquipélago, por exemplo, e principalmente, o conhecimento acerca da ecologia e de todos os fatores ambientais que atuam ali. Mas isso tudo não pode ter autoridade acima do saber local das populações que habitam aquele lugar e que sabem das complexidades de se viver lá”, avalia.

Ela ressalta as diferenças entre a Holanda e o Brasil, que possuem diferentes contextos institucionais e de financiamento. “A gente não pode ficar cegamente focando nas soluções técnicas para um bairro como Arquipélago e aí fazer um diagnóstico puramente técnico. Porque isso não vai se sustentar ao longo do tempo. Nós temos que ter sensibilidade para as questões de habitação, para a questão de monitoramento e sustentabilidade de qualquer solução que a gente vai dar para lá.”

O que diz a prefeitura

Em nota enviada ao Brasil de Fato RS, a prefeitura de Porto Alegre afirma que o Estadia Solidária – programa dos governos municipal e estadual que concede até 12 parcelas de R$ 1.000 para que famílias se mantenham enquanto aguardam as novas casas do governo federal – atende 3.230 famílias na cidade. Destaca que “tem critérios específicos e já beneficia 541 moradores das Ilhas”.

Os critérios para receber o benefício são: ser morador de Porto Alegre de área atingida pela enchente de maio, segundo critério da Defesa Civil Municipal; ter Cadastro no Registro Unificado Municipal e autodeclarar que a sua residência não está habitável; ter inscrição no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico); ser morador/família com renda mensal informada no CadÚnico de até meio salário mínimo por pessoa (R$ 706).

Sobre a questão da demora nos laudos e vistorias levantadas pelos moradores, a assessoria informou que é com Demhab e disse que vai enviar uma nota a respeito. O espaço permanece aberto para a resposta.

Nesta terça-feira (27), já está marcada nova reunião técnica sobre o tema com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano com o intuito de definir os procedimentos para os laudos necessários e com os moradores da Ilha do Pavão para demandas específicas.

Da Redação