Com 51,2% dos votos, Maduro vence eleições e consolida força do chavismo na Venezuela
Brasil de Fato
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi reeleito neste domingo (28). O chavista que representa o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) recebeu 51,20% dos votos contra 44,2% do ex-embaixador Edmundo González Urrutia com 80% das urnas apuradas. O mandatário terá agora mais seis anos no governo e se tornará o presidente mais longevo da história da Venezuela.
Com a vitória, Maduro dará continuidade a um projeto iniciado pelo ex-presidente Hugo Chávez em 1998. De lá para cá, o chavismo se consolidou enquanto linha político-ideológica da Venezuela e, pela 7ª eleição presidencial seguida, conquista os votos para mais um mandato. A diferença, dessa vez, ficou por conta da disputa pelos eleitores.
A eleição de Maduro foi uma das mais difíceis para o chavismo nos últimos tempos. Depois de ter passado por seis anos pela maior crise econômica do país, a Venezuela chegou ao pleito em uma recuperação que foi crucial para a vitória de Maduro. Os principais argumentos do governo foram a queda da inflação e a estabilização da moeda local, o bolívar, mesmo sofrendo um bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, com mais de 900 sanções impostas contra setores estratégicos.
Com isso, o presidente conseguiu dar a volta por cima em um dos períodos mais tensos dos últimos anos do governo e garantiu a reeleição. Agora, Maduro terá pela frente dois desafios: negociar o fim do bloqueio com os Estados Unidos e reconquistar a confiança de parte da população.
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O presidente enfrentou em seu último mandato as sanções mais duras que os EUA poderiam impor sobre o país. Os estadunidenses bloquearam o principal setor produtivo venezuelano, a indústria petroleira. Com isso, a entrada de dólares caiu e a Venezuela entrou em uma espiral que desgastou a imagem de Maduro com a população e fez das eleições de 2024 uma das mais apertadas da história do país.
Acostumado a ganhar
Essa, no entanto, não foi a eleição mais apertada das que participou Maduro. A primeira que disputou foi em 2013. A Venezuela passava por um momento importante da política. Hugo Chávez morreu em 2013, logo após sua 4ª eleição. O chavismo sofreu um baque e a sociedade venezuelana passou por um momento de incerteza sobre como seria o futuro. Naquele mesmo ano, no entanto, Nicolás Maduro recebeu um voto de confiança da população e bateu Henrique Caprile com uma margem estreita: 50,61% contra 49,12% do opositor.
Entre os chavistas, o sentimento para 2024 era de que “estamos acostumados a ganhar, mas dessa vez não tem tanta confiança”. Isso porque, depois de boicotar o pleito de 2018, a oposição teve uma participação massiva, a 3ª maior desde 1992. Ao todo, 9 candidatos opositores duelavam contra o representante do PSUV.
O cenário foi incerto até o fechamento das urnas. Os dois lados encerraram os 21 dias de campanha com declarações confiantes. Para os eleitores, no entanto, havia muita incerteza. Do lado opositor de Caracas, alguns já adotavam o discurso de que “precisamos ganhar e vamos ganhar. Mas o outro lado tem mais organização”. Já para os chavistas, a desconfiança pairou até a última manifestação, realizada no dia 25. Com milhares de apoiadores, os apoiadores de Maduro organizaram uma marcha que ocupou 12 quadras da avenida Bolivar, uma das principais da capital. Faltando 3 dias para a votação, esse foi o gás final que a esquerda venezuelana precisava.
Governo alinhado e oposição desorganizada
A corrida eleitoral começou em outubro de 2023. Naquele mês, governo e oposição assinaram em Barbados um acordo que definiu as regras iniciais para a disputa. A partir daquele momento, os Estados Unidos começaram a emitir algumas licenças para o mercado venezuelano, sendo a principal delas a licença 44, que permitia a venda do petróleo da Venezuela para outros países.
Com isso, uma coisa era certa: as eleições aconteceriam no segundo semestre. O principal nome da oposição era María Corina Machado, ex-deputada ultraliberal foi inabilitada pela Justiça venezuelana em junho de 2023 por 15 anos por “inconsistência e ocultação” de ativos na declaração de bens que ela deveria ter apresentado à Controladoria-Geral da República (CGR) enquanto foi deputada na Assembleia Nacional (2011-2014).
Por não poder concorrer, ela iniciou uma disputa interna que desorganizou a oposição. Primeiro, tentou emplacar a professora de filosofia Corina Yoris, mas seu grupo político, Vente Venezuela, não está registrado como partido no país e não pode inscrever candidatos. Sem apoios de outros partidos, ela tentou cavar a desistência do governador de Zulia, Manuel Rosales. Depois de reuniões frustradas, eles chegaram a um acordo para apoiar Edmundo González Urrutia.
A falta de propostas também foi a marca de uma oposição que demorou a definir um candidato. Em entrevistas, tanto María Corina Machado quanto Edmundo González Urrutia falaram mais sobre a necessidade de mudar o governo do país do que apresentaram propostas. A única linha apresentada foi o pacote de privatizações. Mesmo sem poder ser candidata, a ex-deputada montou um plano de governo que apresentava a estatal petroleira PDVSA como o principal alvo para as privatizações.
Enquanto isso, Maduro anunciou desde janeiro o seu plano de governo: as 7 Transformações. O documento propõe o desenvolvimento em sete áreas divididas em economia, social, política, meio ambiente e relações internacionais, além de dois tópicos mais conceituais: expandir a doutrina bolivariana e aperfeiçoar a convivência cidadã.
Nesse período, o presidente também conseguiu reunir antigos chavistas que haviam virado desafetos e grupos mais críticos às suas políticas que já haviam participado do governo de Chávez. A concentração de forças ao seu redor foi fundamental para difundir o apoio.
O governo também lançou mão de ferramentas para ampliar a mobilização popular na campanha. A primeira dela aconteceu com 3 meses de antecedência e foi a consulta popular das comunas. Em uma experiência de autogestão territorial, esses espaços foram criados por Hugo Chávez, que visava o Estado Comunal como o fim do processo revolucionário bolivariano. Nessa consulta foram escolhidos 4.500 projetos que seriam executados em diferentes lugares do país.
As comunas são os espaços onde se desenvolvem algumas das principais ideias do ex-presidente Hugo Chávez para um projeto de país com uma democracia participativa e a atuação direta da população na resolução de questões da vida em sociedade. Essa votação ajudou a mobilizar os conselhos comunais em assembleias que já discutiam a necessidade de dar continuidade ao processo chamado de revolução bolivariana.
O segundo instrumento usado foi o 1×10. O mecanismo de campanha criado pelo PSUV buscou atrair o “voto consciente” da militância e dos eleitores de Nicolás Maduro. A ideia é que cada filiado ao partido consiga mobilizar 10 pessoas para ir às urnas e que converta ao menos um voto de alguém que nunca tenha votado no chavismo ou participado dos últimos pleitos que foram realizados desde a eleição de Chávez.
A campanha foi uma espécie de “vira voto”, movimento realizado no Brasil em 2018 para converter o voto de pessoas que não sabiam em quem votar ou que queriam votar no então candidato Jair Bolsonaro, para o candidato do PT, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em seu último dia de campanha, Maduro disse que o programa foi um sucesso e garantiria a vitória nas eleições.
Maduro 1 e 2
O presidente chegou para as eleições depois de 12 anos turbulentos no país. Eleito em 2013, ele enfrentou manifestações violentas da oposição, boicotes de empresários e um bloqueio externo que reduziu as finanças do governo.
Nos dois primeiros anos, 2014 e 2015, começa o que o governo chama de “guerra econômica interna”. Em um contexto de inflação crescente, os empresários passam a ampliar os preços dos produtos em uma cadeia especulativa que permitiu o aumento dos lucros acima do ritmo inflacionário. Isso distorceu a taxa de inflação e criou um ciclo de aumento de preços que chegou a uma taxa de 180% ao ano em 2015.
Como resposta, o governo de Maduro passou a controlar os preços e estabeleceu um sistema de controle para regular a cadeia de abastecimento. Um exemplo disso foi a Lei do Preço Justo, que estabelecia um teto para o preço dos produtos primários do país. Ele também criou um instrumento que se popularizou e ganhou força nos anos mais duros da crise, os Comitês Locais de Abastecimento e Consumo (CLAP) –programa de distribuição de cestas básicas que são entregues pelos próprios bairros organizados e comunas do país.
Mesmo conseguindo amenizar o impacto da crise econômica para a população, o Estado passa a ter que lidar com problemas cada vez maiores. A inflação continuava crescendo e os empresários passaram a segurar produtos nos estoques para não baixar os preços, já que agora havia um teto para o valor dos produtos. A escassez desses alimentos nos mercados começou a ser sentida e a imagem de uma Venezuela em crise começou a se refletir em longas filas nos mercados.
A instabilidade econômica afetou o câmbio e a moeda local, o bolívar, começou a perder valor. Para completar, de 2014 a 2018, o Banco Central do país deixou de publicar a cotação do dólar. Com isso, comerciantes, empresários de diferentes setores e agentes econômicos perderam a referência para estabelecer preços. Quem ocupou esse vazio cambiário foi a moeda paralela.
Diferentes sites e páginas começaram a cotar o dólar em relação ao bolívar para trazer referência, e o valor da moeda estadunidense disparou no país. Somado a isso, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sanciona a Lei de Defesa dos Direitos Humanos e da Sociedade Civil da Venezuela, que bloqueia ativos de mais de 50 venezuelanos no exterior.
Com a eleição de Donald Trump nos EUA em 2016, as sanções se intensificam e o país bloqueia completamente o setor petroleiro venezuelano. A partir daquele momento, quem quisesse negociar petróleo venezuelano não teria acesso ao mercado estadunidense.
A pressão interna aumentou cada vez mais e a oposição articula em 2014 e 2017 as chamadas guarimbas –manifestações violentas realizadas na zona nobre de Caracas. Com isso, o governo passa a tentar controlar a situação do país em diferentes frentes: uma econômica e outra de segurança. O contexto de violência escala e os manifestantes chegam a queimar um chavista vivo em meio aos protestos.
Esse foi o cenário ideal para que a imprensa internacional fortalecesse a campanha contra o governo de Nicolás Maduro. Canais de televisão e agências de notícias internacionais passaram a atacar a construir o que o próprio presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou de uma “narrativa” que criminaliza o chefe do Executivo venezuelano.
Mesmo nesse contexto, Maduro consegue ser reeleito em 2018 em uma eleição que a oposição decidiu não disputar. Um ano depois, no entanto, veio a resposta. O ex-deputado Juan Guaidó se autoproclamou presidente em 2019, ganhou apoio dos EUA e do Brasil –então presidido por Jair Bolsonaro (PL)– e tentou derrubar Maduro. Ele, no entanto, viu fracassar a sua liderança e deixou o país em 2023 para viver em Miami.
Sem uma liderança, a oposição se fragmenta, não consegue se articular e recorre à Maria Corina Machado, mesmo inabilitada, para o pleito. O grupo chega às eleições sem um nome de peso para a disputa.
Além disso, Maduro enfrentou a pandemia de covid-19, que colocou o país em uma recessão ainda maior e passou a ter que ampliar os gastos do Estado para comprar e distribuir vacinas, melhorar a estrutura de hospitais e implementar políticas sanitárias. Os esforços deram certo e o país contabilizou 5.856 mortes em uma população de quase 30 milhões de pessoas.
Perspectivas Maduro 3
Com a eleição para um terceiro mandato, Maduro tem duas opções muito bem definidas: ou ele potencializa uma forma de governo mais pragmática ou volta a um ideal chavista que marcou o início de seu primeiro mandato, em 2013.
Para o cientista político venezuelano e pesquisador do grupo Missão Verdade, Franco Vielma, a expectativa é que o presidente foque no bem-estar social da população depois dos anos duros da crise. Segundo ele, Maduro disse abertamente que ampliará os gastos públicos e a atuação das Grandes Missões –programas do governo setorizados por grupos da população ou áreas econômicas.
“Maduro prometeu “Mais Mudanças e Mais Transformações” para sua política econômica. Isso está vinculado com uma oferta de campanha que está associada a necessidades reais da população de situações de mudança e de transformações, preservando a estabilidade. O povo quer mudanças, mas que se proteja o Estado social e as políticas públicas. Ou seja, a atenção à população vulnerável. Maduro conjugou todos esses elementos no momento em que anuncia grandes missões sociais”, afirmou ao Brasil de Fato.
A manutenção de um pragmatismo, no entanto, é uma posição colocada por parte do chavismo. Se nos últimos anos Maduro teve que adequar políticas públicas e econômicas de acordo com o contexto em que o país foi submetido, pesquisadores acreditam que essa posição possa não deve se manter. Para o sociólogo Ociel Lopez, ele deve manter um pragmatismo, mas inclinado para seu primeiro governo.
“Ele será um ator pragmático, não um dogmático ideológico. Sabe jogar as fichas da economia, conseguiu estabilizar no governo e isso ninguém pode negar. Poderíamos dizer que, em um ‘Maduro 3’ voltaria a conquistar direitos sociais. Ele está muito consciente de que o grande problema é melhorar os salários, porque os salários estão perdidos. As conquistas sociais e trabalhistas deixaram de existir em um governo que se diz trabalhador. Obviamente as sanções têm muita culpa, mas havia uma crise prévia. Aconteça o que acontecer, ele vai ter que voltar para esse caminho”, afirmou.
Outra questão que Maduro terá que resolver é a relação com os Estados Unidos. Com as licenças, a economia venezuelana melhorou e empresários estadunidenses ligados ao setor do petróleo começaram a fazer um movimento de pressão pelo afrouxamento do bloqueio. A Chevron, por exemplo, é a empresa estrangeira que tem maior participação no mercado venezuelano, compondo empresas mistas com a própria PDVSA.
O país norte americano terá também eleições neste ano e pode mudar os rumos da relação com a Venezuela a depender do cenário energético internacional dos próximos meses.
Aumentar a popularidade também será um desafio de Maduro, já que de 6 em 6 anos a revolução coloca à prova sua legitimidade com a população. Mesmo que para as eleições isso tenha funcionado, uma ala do governo entende que é importante que a esquerda venezuelana esteja envolvida no projeto de governo de Maduro.
Para o cientista político e especialista em economia política Juan Carlos Valdez, a expectativa é que as forças revolucionárias discutam os rumos do processo para o próximo ciclo.
“Esperamos que se abra um processo de discussão novamente no seio das forças que apoiam a revolução. Para primeiro resolver aquelas situações que conduziram para que muitos revolucionários se distanciassem do governo e que até se opunham ao governo. É preciso abrir a discussão. Esse é um desafio para Nicolás: reunificar as forças revolucionárias por meio do debate. Só no debate e na discussão franca vamos conseguir as soluções para os problemas que não resolvemos”, afirmou.