Fome diminui no Brasil, mas ainda é desafio para o governo, avaliam especialistas
Brasil de Fato
O relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação sobre a fome no mundo é alarmante. Em todo o planeta, mais de 750 milhões de pessoas vivem insegurança alimentar grave. Se continuar assim, a maioria dos países não conseguirá cumprir com o objetivo número dois da Agenda da ONU 2030: acabar com a fome no mundo.
No mesmo dia em que o Mapa da Fome foi divulgado, o G20 aprovou no Rio de Janeiro a prévia do que será o documento da Aliança Global contra a Fome, uma proposta da presidência brasileira do grupo para a garantia da segurança alimentar no mundo. Entre as medidas, a taxação de fortunas é defendida como uma forma de financiar as ações de enfrentamento à fome.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a tributação e alertou que a fome não é um fenômeno natural. “Os super ricos pagam, proporcionalmente, muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem investido no tema da cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global, fortalecendo as iniciativas existentes e incluindo os bilionários”, disse
“A fome não resulta de fatores externos, ela decorre sobretudo de escolhas políticas. Hoje o mundo produz alimento mais do que suficiente para erradicar [a fome], o que falta é criar condições de acesso aos alimentos”, declarou o presidente.
Os dados da fome Brasil são um pouco mais animadores. De acordo com o Governo Federal, de 2022 a 2023 houve uma queda de 85% no número de pessoas em insegurança alimentar severa no país, passando de 17 milhões para 2 milhões de pessoas nesta situação. Já segundo o relatório das Nações Unidas que avalia o triênio 2021-2023, a queda na desnutrição foi de 33% no Brasil.
Pedro Vasconcelos, assessor da Fian Brasil, lista uma série de políticas retomadas pelo atual governo, após serem extintas pela gestão anterior.
“A gente tem um programa de aquisição de alimentos remodelados, a gente tem um programa de cozinhas solidárias, um decreto sobre segurança alimentar e nutricional nas cidades, um diálogo sobre uma política nacional de abastecimento. Então uma série de iniciativas que vão no sentido de recuperar uma trajetória virtuosa que o Brasil já teve no sentido da garantia do direito uma alimentação, ainda que em outro contexto”, destaca.
Para Vasconcelos, embora haja um reconhecido esforço do governo para a superação da fome no país, milhões de brasileiros ainda têm dificuldade de acesso aos alimentos. E o governo tem o desafio de corrigir rotas e garantir o bom funcionamento das políticas de segurança alimentar.
“Nós temos, por exemplo, um discurso, uma perspectiva do governo em prol da alimentação saudável, mas a gente tem pouquíssimo orçamento ou dedicação em relação à promoção de uma alimentação realmente adequada. O tema dos agrotóxicos, por exemplo, é um tema largamente ignorado no governo. O tema de estruturação do Sistema de Segurança Alimentar Nutricional, que é, de fato, quem organiza isso o acesso das pessoas das políticas, organiza as formas de você exigir o seu direito de alimentação, ele também precisa ser melhor estruturado”, defende
Outro desafio para o Brasil alcançar o objetivo número dois da Agenda 2030 da ONU e acabar com a fome no Brasil, é o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas. É o que explica a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Elisabetta Recine.
“Não dá para a gente pensar em atuar sobre a fome, atuar sobre a pobreza, se a gente não transversalizar isso com ações muito comprometidas e muito adequadas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Quer dizer, os eventos climáticos extremos são um fator de desestabilização profunda, a gente tem exemplos o tempo todo sobre isso. Então há que trazer essa ação, esse olhar, essa transversalidade da questão climática para
todas as ações”, afirmou.
Além de recursos, as organizações defendem que haja uma governança compartilhada com a sociedade civil para a busca de ações que visem a superação da fome.
“Não adianta você ter uma Aliança Global de combate à fome, com uma taxação dos mais ricos avançando, se você não tem esse país investindo nas estruturas consolidadas pelos Estados de combate à fome, para, quem sabe, mover pelo menos parte desses sistemas alimentares num sentido maior de garantia de direitos e não de acumulação desigual e combinada”, ponderou.