‘Cenário apertado’: Por que o Copom vê a queda do desemprego como algo ruim para a economia
Brasil de Fato
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu na quarta-feira (31) manter a taxa básica de juros, a chamada Selic, em 10,5% ao ano. A decisão contrariou o governo e sindicalistas, que defendem uma redução dos juros para aumento da geração de emprego no país. Foi tomada, entretanto, justamente porque o comitê vê na queda do desemprego um fator de risco para a economia nacional.
Desde o pico da crise causada pela pandemia do covid, no início de 2021, a taxa de desemprego no país caiu pela metade, descendo de 14,9% para os atuais 6,9%. Desde de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse, a redução foi de cerca de 2 pontos percentuais. Em um ano, queda de 1 ponto.
Para o Copom, presidido por Roberto Campos Neto, isso criou um “cenário de mercado de trabalho apertado”. A expressão foi citada na ata da reunião de maio do comitê, em que o comitê reduziu o ritmo de cortes dos juros pela primeira vez depois de seis encontros.
Naquela ocasião, o Copom decidiu reduzir os juros de 10,75% ao ano para 10,5% ao ano. Nas seis vezes anteriores, a queda foi de 0,5 ponto.
Para o Copom, o aumento do emprego, principalmente com carteira assinada, poderia acarretar em elevação de salários e de preços. A inflação poderia vir a subir. Por isso, os diretores decidiram que era melhor frear a queda dos juros e também a economia.
“No mundo inteiro é assim”, justificou o economista Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças). “Quando você tem o nível de emprego bombando, significa dizer que as pessoas tendem a ter mais renda, consumindo mais, o que pode pressionar a inflação.”
Assim, os juros elevados ajudariam a manter os preços sob controle.
Controvérsias
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, reclama dessa visão simplista do BC brasileiro. Segundo ele, apesar desse raciocínio parecer lógico, ele não é verificado completamente na prática. Por isso, não deveria basear uma decisão sobre juros.
Cantelmo disse que o suposto excesso de emprego pode influenciar numa inflação por excesso de demanda de consumidores. É preciso, porém, considerar outros fatores nessa equação antes de culpar a queda do desemprego pela alta de preços.
“Isso também está relacionado com a capacidade produtiva, com a capacidade ociosa e com o próprio nível dos salários”, explicou Cantelmo. “No caso do Brasil, ainda temos algum grau de capacidade ociosa e um nível de renda bastante modesto, com boa parte da população vinculada a atividades informais.”
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulga periodicamente a taxa de desemprego no país, também tabula dados sobre a informalidade. De acordo com o órgão, 38,6% da população ocupada no Brasil eram informais ao final do segundo trimestre deste ano. No trimestre anterior, a taxa era praticamente a mesma. Há um ano, eram 39,2%.
“A questão do emprego melhorou bastante, mas ainda existe uma ampla massa de trabalhadores no mercado informal que poderia migrar para o formal caso tivesse emprego”, ratificou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo o IBGE, são 39,3 milhões de trabalhadores.
Objetivo
Weiss ainda aponta um problema na meta perseguida pelo Copom ao decidir sobre a Selic. Segundo ele, a lei que deu autonomia ao BC, sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), colocou a busca pelo pleno emprego como um objetivo secundário. Nesse contexto, o que realmente importa ao BC é a inflação.
“Nos Estados Unidos, por exemplo, a meta é a menor inflação possível dentro do pleno emprego. Isso muda toda a dinâmica”, ressaltou Weiss. “O correto no Brasil seria incluir o emprego como uma meta de mesmo peso que a inflação.”
O que é Selic?
A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.
Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.
Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.
A Selic também é uma taxa de referência para os títulos da dívida que o governo emite para financiar suas atividades. Isso significa que, quando ela sobe ou desce, isso também influencia no gasto com juros e até no valor total da dívida brasileira.
Por isso, Lula tem cobrado a redução da taxa desde que ele voltou à Presidência. Na terça-feira (30), antes da decisão dos Copom sobre juros, centrais sindicais chegaram a realizar atos em 11 capitais sob o lema “menos juros, mais empregos”.