‘Quando tiram cobertor, é dizer: morra’, diz líder da população de rua sobre ações da Prefeitura de São Paulo em meio ao frio
Brasil de Fato
O frio que chegou na cidade de São Paulo no domingo e se intensificou nesta terça-feira (27), com termômetros chegando a marcar -1ºC durante a madrugada, tem gerado alerta para as mais de 80 mil pessoas que vivem em situação de rua na capital paulistana, número computado pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A estimativa do Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE), na estação Parelheiros-Marsilac, é que os termômetros comecem a subir apenas na sexta-feira (30), com madrugadas ainda frias.
Desde o início das ondas de frio em todo o estado, dois óbitos de moradores em situação de rua foram registrados por suspeita de frio: um homem na Praça Brasil, em São Bernardo do Campo (SP) e outro na praça Santa Terezinha, na região central de Taubaté (SP).
Em entrevista ao Brasil de Fato, Robson César Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, diz que é urgente frear o risco de novos óbitos. Para isso, é preciso frear a ação violenta do “rapa”, como são popularmente conhecidas as ações da zeladoria municipal de São Paulo em que fiscais e agentes da Guarda Civil Metropolitana passam pelas ruas recolhendo colchonetes, cobertores e outros pertences.
“Quando tiram cobertor em uma baixa temperatura, é dizer: ‘morra, porque para nós você não é nada'”, pontua a liderança, destacando que essas ações truculentas se acentuaram nos últimos anos com o processo de “militarização” da GCM.
Segundo Róbson, que organiza a entrega de 3,6 mil refeições diariamente no “Refeitório Amor à Vida”, na região central da capital paulista, as ações de zeladoria deveriam garantir a propriedade, posse e uso de itens como colchões, colchonetes, cobertores, documentos pessoais, remédios, utensílios de cozinha, barracas e carrinhos para coletar papelão.
“Existe uma lei de zeladoria urbana, existe um decreto que fala o que pode e que não pode ser tomado da população em situação de rua. Mas como eu sempre digo, de uma maneira truculenta, de uma maneira inapropriada, o guarda vai armado, supostamente para proteger os funcionários do ‘rapa’, mas o que a gente vê não é isso. Se um camarada tenta ficar com seu cobertor ou com seu colchão ou com sua barraca, o guarda já tira o cassetete, já pega o spray de pimenta e já vai de uma forma completamente inadequada em cima do cidadão”, explica a liderança do movimento estadual.
O tema foi discutido com Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, durante visita a São Paulo realizada nesta segunda-feira (26) para a oficialização do Programa Pontos de Apoio da Rua (PAR). O programa visa promover inclusão social e cidadania para pessoas em situação de rua.
“A gente falou que precisa frear essa questão do ‘rapa’, porque estamos vivendo momentos de uma calamidade muito grande. Quando é a questão do frio, como estava em São Bernardo Campo, dois negativos, morrendo gente. E o ‘rapa’ ele não tem dia frio, não tem calor, não tem nada. Ele age a qualquer dia, inclusive nos feriados e fim de semana. O que é lamentável, porque não está preservando a vida, está tirando vida”, pontuou Mendonça.
Dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) mostra que, entre os municípios com maior número de pessoas em situação de rua, conforme dados de julho de 2023, São Paulo destaca-se tendo 24,8% dessa população do país, com 54,8 mil pessoas.
Procurada, a Secretaria de Subprefeituras da Prefeitura de São Paulo disse, em nota, que não se posicionaria, já que as denúncias não versam sobre uma ação específica. “A Prefeitura de São Paulo informa não ter recebido da reportagem quaisquer dados a respeito de eventuais violações, o que impede um posicionamento a respeito de comentários que não condizem com as orientações desta administração”, informou a administração municipal.