O viralatismo e as mentiras do editorial da Folha em defesa da privatização da Petrobras
Brasil de Fato
A Folha de S. Paulo, jornal brasileiro que no passado colaborou com a ditadura militar, saiu de vez do armário. Perdeu os escrúpulos e mostra sem medo sua face entreguista. Mas nunca se sabe qual é a verdadeira emboscada atrás da provocação até que ela aconteça. O editorial “O que a Folha pensa: Privatizar Petrobras, Caixa e Banco do Brasil” pode tanto antecipar uma campanha publicitária ideológica, para impor a agenda da elite econômica ao Congresso Nacional como pode ser um truque diversionista de algo pior que está por vir, pior até mesmo que a apologia à entrega do patrimônio público ao capital transnacional.
Limitando-se a decompor o editorial, percebemos que o jornal do clã Frias, para sustentar sua narrativa, recorre a retóricas e reforça anacrônicos estereótipos, uma ideia fixa e simplificada sobre as estatais, longe de corresponder à realidade.
O primeiro parágrafo já traz uma inconsistência. A visão otimista da Folha de que o programa de privatização nos governos neoliberais quebrou tabus e preconceitos não se sustenta quando analisamos os fatos e as evidências disponíveis. As privatizações não conseguiram resolver problemas econômicos estruturais do país e não foram suficientes para estabilizar a economia ou evitar o endividamento crescente. A desestatização de lesa-pátria do governo de Fernando Henrique Cardoso arrecadou cerca de 78,61 bilhões de dólares, mas a dívida pública aumentou de 60 bilhões de dólares em 1994 para 245 bilhões em 1998.
As privatizações resultaram em um aumento do controle estrangeiro sobre setores estratégicos, como telecomunicações e energia, estrangulando a soberania econômica do Brasil. Além disso, os benefícios econômicos das privatizações se concentraram em uma pequena elite, exacerbando as desigualdades sociais e econômicas existentes.
A promessa de que a privatização melhoraria a qualidade dos serviços não se concretizou. No setor de telecomunicações, os consumidores enfrentam tarifas altas e serviços de baixa qualidade, especialmente em áreas rurais, onde a operação é menos lucrativa.
Desmentindo a Folha, pesquisas de opinião do Datafolha, do Grupo Folha, realizadas em 2019 indicaram que dois terços dos brasileiros eram contrários à privatização de serviços públicos. Outra, de 2023, motrou que mais de 50% dos entrevistados eram contra a privatização de estatais, como Petrobras e bancos públicos, revelando que a percepção geral era de que as privatizações pioraram os serviços prestados à população em setores como telefonia, energia elétrica e água. Essa rejeição não é apenas partidária ou ideológica, mas reflete preocupações reais sobre a qualidade e acessibilidade dos serviços.
As implicações negativas das privatizações no auge dos governos neoliberais no Brasil desmentem, ainda, o ufanismo enganoso do editorial. Casos como as tragédias de Brumadinho e Mariana, envolvendo a Vale, por exemplo, destacam a falta de responsabilidade socioambiental em empresas privatizadas. A busca alucinada por lucros incessantes comprometeu a segurança e o bem-estar das comunidades locais. Sem contar os benefícios fiscais da ordem de R$ 26 bilhões que a Vale recebe todo ano, montante acumulado que paga e sobra o que foi gasto na sua compra.
Já a Embraer, outro exemplo de empresa privatizada percebida como bem-sucedida, segundo a Folha, recebe incentivos e injeções de recursos públicos desde que foi desestatizada. Nos últimos 26 anos, a empresa acumulou financiamentos públicos que somam cerca de 25,6 bilhões de dólares. Ou seja, as gigantes privatizadas continuam dependendo do Estado para crescer. A diferença está que, antes, o lucro do dinheiro público investido nas outrora estatais revertia para o Tesouro Nacional e o povo brasileiro, agora fica nas mãos de poucos magnatas.
Em outras palavras, as teses “catastróficas” sobre as privatizações, do ponto de vista do interesse do povo brasileiro, se confirmaram. As desconfianças em relação às privatizações continuam válidas, ao contrário do diz a Folha, que continua à vontade para mentir impunemente (por isso sua guerra santa contra o inquérito das fake news do ministro Alexandre de Morais).
Sem se enrubescer, o jornal desinforma quando afirma que as estatais, como a Petrobras, são ineficientes. Muito longe disso. Historicamente, a empresa tem sido uma das mais lucrativas da América Latina, com um histórico de valorização significativa na bolsa, o que justifica expressiva alta de suas ações em quase 8%, no dia 26 de agosto.
Além disso, a Petrobras é líder em inovação no setor de petróleo, com investimentos robustos em pesquisa e desenvolvimento, focados na transição energética e descarbonização. Isso demonstra seu papel como uma empresa inovadora e estratégica para a soberania nacional, garantindo a autossuficiência em petróleo. A defesa da privatização da petroleira pela Folha reflete, na verdade, descontentamento de concorrentes da estatal que se sentem prejudicados pela força da Petrobras.
Invocar as agências reguladoras como se fossem uma panaceia para proteger a sociedade e os consumidores é outra balela. Não vivemos na Noruega, e sabemos o quão forte é a influência das grandes corporações de setores estratégicos sobre os reguladores, que agem mais para desregular e desembaraçar do que para normatizar e fiscalizar, a fim de beneficiar empresas privadas em detrimento dos consumidores e do meio ambiente.
Isso é evidente nos setores de telecomunicações e mineração. Sem a prometida e saudável concorrência, as operadoras e as mineradoras construíram um oligopólio privado. As poucas empresas do setor de telefonia, por exemplo, formaram um cartel para combinar preços, sem chances para o consumidor.
Das estatais, a única que foi preservada da verborragia da família Frias foi a Embrapa. O jornal a trata, dissimuladamente, como a joia do interesse público. Não é do interesse público, mas do agronegócio, que lucra bilhões graças ao trabalho duro do instituto de pesquisa agropecuária.
Na campanha difamatória, o jornal acusa, sem provas, a petroleira e os bancos públicos de má gestão, apesar de reportarem ano após ano lucros e distribuírem dividendos bilionários aos acionistas. Ao mesmo tempo, sugere que essas empresas estariam em melhores mãos da iniciativa privada, ancorando-se na falácia da eficiência e da competitividade dos empreendedores particulares, entendidas erroneamente como “ágeis e inovadoras para responder à pressão do mercado e à necessidade de gerar lucro”.
Não é bem isso que testemunhamos recorrentemente no Brasil. O que dizer das fraudes bilionárias, má gestão e falta de governança, além da péssima prestação de serviço, em inúmeras gigantes corporativas, como a Americanas, a IRB Brasil Resseguros, a Enel, a Light, a Oi, para citar algumas?
A privatizada Eletrobras, por exemplo, está agora sob o comando de um executivo de ética questionável, Ivan Monteiro, um dos acusados de fraude contábil no IRB Brasil de cujo Conselho de Administração foi presidente até 2020. É esse tipo de gente, com ficha corrida, que a Folha pensa ser a melhor gestora para empresas, como a Petrobras e Caixa Econômica.
Por conta de todos esses contra-argumentos, é mais do que natural deduzirmos, que se a Folha é capaz de mentir descaradamente em seu editorial, os conteúdos não apenas opinativos, mas também os informativos, estão sob suspeita. Não seria demais inferir que até as reportagens estariam servindo de apoio à guerra desinformativa e aos propósitos pouco republicanos do jornal. Em poucas palavras, concluímos que o que a Folha publica não é definitivamente confiável.
* Luís Humberto Carrijo é jornalista e comunicador, com mestrado em Comunicação e Cultura na Universidade Autónoma de Barcelona, é CEO da Agência de Comunicação Rapport Comunica e autor do livro “O Carcereiro – O Japonês da Federal e os presos da Lava Jato”. No Youtube, comando o canal Imprensa sem Disfarce.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.