‘O Morro está triste e a Nossa Senhora está muito triste’, lamenta moradora sobre desabamento que matou duas pessoas no Recife

Brasil de Fato

No início da tarde desta sexta-feira (30), o teto do Santuário de Nossa Senhora da Conceição, na zona norte do Recife, desabou, deixando duas pessoas mortas e 22 feridas. No momento da tragédia, acontecia uma ação de distribuição de cestas básicas para algumas famílias do próprio bairro. A solidariedade da comunidade também se mostrou quando diversos moradores se arriscaram sob os escombros na tentativa de salvar seus vizinhos.

As autoridades confirmaram que as vítimas fatais foram Maria da Conceição de França Pinto, de 68 anos, e Antônio José Soares, de 54 anos. Ele trabalhava como ajudante de pedreiro e deixou 3 filhos. Os 22 feridos foram encaminhados para a UPA de Nova Descoberta, a UPA da Caxangá e para o Hospital da Restauração.

Há suspeitas de que o teto não tenha resistido ao peso das placas de captação de energia solar, instaladas há cerca de uma semana. A causa do desabamento será avaliada e divulgada pela Defesa Civil e pela Polícia Militar. O representante do Conselho Regional de Engenharia (Crea) no local, para prestar suporte técnico, disse à reportagem que, até aquele momento, ainda não havia sido procurado para informar sobre os engenheiros responsáveis pela construção.


Suspeita é que o teto não tenha resistido ao peso da recente instalação de placas de captação de energia solar / Vinícius Sobreira/Brasil de Fato Pernambuco


No momento da tragédia havia menos de 30 pessoas no Santuário, que aguardavam atividade que contaria com 100 pessoas; / Rebeca Martins/cedido ao Brasil de Fato

A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco foi ao Morro da Conceição e conversou com moradores e familiares de Marcos Ferreira, organizador da ação solidária de distribuição de cestas básicas. “É uma tristeza, um horror. Ver nossos vizinhos que estavam lá dentro buscando alimento para viverem no seu dia a dia… e acontecer isso”, lamenta dona Helena Lopes, moradora do bairro há 60 anos e sogra de Marcos.

Eram esperadas 100 pessoas para a distribuição de alimentos, mas na hora da queda (por volta das 13h40) menos de 30 estavam no santuário. “O Morro fica triste. Nossa Senhora está muito triste e tentando ajudar as pessoas que neste momento precisam ser amparadas”, avalia dona Helena.

Leia também: Fé e luta no Morro: Conheça a história de Helena Lopes

Dona Helena diz ter escutado um estrondo muito alto enquanto almoçava. Correu para a rua e viu o teto desabado. “Não tenho palavras para dizer o que senti naquela hora. Graças a Deus meu genro só levou uma pancada na costela, está no hospital, mas está bem”, disse ela, ainda abalada.


Vizinhos se uniram para resgatar pessoas presas nos escombros, mas Bombeiros e Samu chegaram em poucos minutos / Rebeca Martins/cedido ao Brasil de Fato


Defesa Civil e Polícia Militar devem se pronunciar, após avaliação, sobre o que causou a queda do teto do Santuário / Vinícius Sobreira/Brasil de Fato Pernambuco

Ela conta que alguns moradores entraram sob os escombros para ajudar a resgatar as pessoas que estavam presas. “Do lado de fora havia muita gente gritando, porque seus familiares estavam lá dentro, esperando receber uma cesta básica. O Samu e os bombeiros chegaram muito rapidamente”, relata.

Marcílio Ferreira, funcionário da Secretaria de Saúde do Recife, é irmão de Marcos Ferreira. Em conversa com o Brasil de Fato Pernambuco, ele conta que estava num bairro vizinho e, acionado pela esposa, correu para o Santuário, em busca do irmão. “Não consegui encontrar ele, porque entrei por um lado da igreja e ele estava do outro. Mas ele já havia saído dos escombros e estava ajudando outras pessoas, apesar de machucado. Depois ele sentiu uma dor forte e precisou ser levado ao hospital”, conta ele, ainda abalado.


Marcílio Ferreira correu para o Santuário e entrou sob os escombros em busca do irmão, que escapou com vida da tragédia / Vinícius Sobreira/Brasil de Fato Pernambuco

Marcílio foi um dos que entrou sob os escombros. “Aqui na comunidade todo mundo se conhece. Saber que ali embaixo estão pessoas que conhecemos desde sempre… Foi desesperador”, lembra ele. “Esse Morro é uma família e a zona norte toda é ligada a Nossa Senhora. É muito triste e fico me perguntando por quê… mas Nossa Senhora está aí e a gente pede forças a ela”, finaliza.

Circulando no bairro, a reportagem ouviu de muitos moradores a mesma coisa. “Graças a Deus não foi num domingo”, “ontem isso estava cheio de gente”. O “alívio” é compartilhado por Helena Lopes. “Poderia ter sido pior. Ontem à noite não cabia ninguém nessa igreja”, conta ela.

Autoridades

O prefeito do Recife, João Campos (PSB), visitou o local e decretou três dias de luto na capital pernambucana em respeito às vítimas. “Pedindo a Deus e Nossa Senhora para que possam confortar seus familiares e amigos”, escreveu.

A governadora Raquel Lyra (PSDB) estava em agendas no Sertão do estado quando soube da tragédia. Ela cancelou os compromissos e se dirigiu à capital, chegando ao Morro no início da noite. Ela prometeu que o governo do estado assumirá a reconstrução. “A gente vai colocar em pé, de novo, a estrutura da igreja”, disse a governadora na noite desta sexta.

O presidente Lula também se pronunciou em suas redes sociais. “Com muita tristeza, soube das duas mortes e dezenas de feridos no Santuário do Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife. Uma tragédia. Minha solidariedade com as vítimas, seus familiares, amigos e com a cidade de Recife neste momento”, disse o presidente.

A Igreja, o Morro e as lutas

O Morro da Conceição tem o nome em homenagem à Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Recife. A principal festividade religiosa de Pernambuco é a Festa do Morro, que em 2024 completa 120 anos e ocorre do fim de novembro até 12 de dezembro, quando a comunidade recebe milhões de fieis católicos de todo o Nordeste, que sobem o Morro como pagamento de promessas.

O bairro tem sua história estreitamente ligada à comunidade católica e à Teologia da Libertação. Antes integrante da “grande Casa Amarela”, a Paróquia do Morro foi “promovida” em 1975, pelo arcebispo dom Hélder Câmara, a pedido do padre Reginaldo Veloso, elevando aquela comunidade católica a responsável pelo acompanhamento de diversas paróquias nas periferias da zona norte do Recife. Em 1978 o padre Reginaldo foi designado administrador paroquial do Morro, passando a viver no bairro.

Leia: Simplicidade e fé no povo: conheça a história do Padre Reginaldo Veloso, preso por um poema

Ouça: Brasil de Fato conversa com o Padre Reginaldo Veloso sobre o Natal

Veloso, que já havia sido sequestrado e preso pela Ditadura anos antes por seu trabalho junto à Juventude Operária Católica (JOC), aproximou a Paróquia do Morro das comunidades de religião de matriz africana e das pessoas sem religião, participou ativamente da fundação de associações comunitárias, liderou o movimento Terra de Ninguém.

Bairro periférico com povoamento a partir da ocupação irregular, tem sua história ligada também à luta por moradia e regularização fundiária. Foi a partir das lutas no Morro que surgiu, por exemplo, a comunidade do Passarinho, também na zona norte.

Em em dezembro de 1982, ainda sob a ditadura, o responsável pela Paróquia do Morro seria condenado, acusado de “crime contra a segurança nacional”, por uma poesia que publicou num jornal, criticando a atuação do STF sob tutela militar.

Morro (e Igreja) com Lula presidente

Em 1989, ano da primeira eleição presidencial pós-redemocratização, o padre Reginaldo colocou um outdoor em frente ao Santuário de Nossa Senhora da Conceição com os dizeres: “na hora de votar, pare e pense: você é patrão ou trabalhador? Dos candidatos a presidente, quem é patrão? Quem é trabalhador?”.


Padre Reginaldo em frente ao outdoor que resultou na perda de sua batina, em 1989 / Breno Lapovitera/Acervo JC Imagem

O outdoor resultou em seu afastamento da Paróquia pelo novo arcebispo, que fora enviado ao Recife “para desmontar, esvaziar tudo o que Dom Helder havia feito”, segundo avaliara o próprio Veloso, que acabou por perder sua batina, perseguido pela onda conservadora que tomava a Igreja.

Os próprios fiéis se auto-organizaram para rezar suas missas, assumiram o controle da igreja e esconderam a chave. As lideranças da Arquidiocese de Olinda e Recife foram ao Morro várias vezes com a Polícia Militar, batendo nas portas da comunidade e ameaçando fiéis para obter as chaves. Isso durou quase um ano.

Até que, em outubro de 1990, numa das tentativas de obter a chave, a comunidade respondeu com uma ciranda junto ao Santuário, com cânticos provocativos, afirmando que não entregariam a chave da Igreja. Balões de gás hélio foram lançados aos céus com as chaves amarradas. Neste dia a polícia acabou por arrombar a Igreja e processou o padre Reginaldo Veloso, além dos fiéis Helena Lopes e Josenildo Sinésio.

Da Redação