Lei de Crimes Ambientais tem se mostrado insuficiente para conter infratores, avaliam entidades civis

Brasil de Fato

Com a escalada no número de queimadas no país e os efeitos da crise climática batendo à porta, tende a avançar nas próximas semanas, no Congresso Nacional, a discussão sobre possível endurecimento penal para quem comete crimes ambientais. Nos bastidores, o governo federal, que estuda atualmente a minuta de um anteprojeto de lei sobre o tema, trabalha com a ideia inicial de finalizar e enviar a proposta ao Legislativo na próxima terça (8), quando as atividades da Câmara dos Deputados retornam à rotina após o primeiro turno das eleições.

O debate gira em torno da Lei de Crimes Ambientais (nº 9605/1998), que impõe sanções penais e administrativas para infratores. A ideia de enrijecer as penalidades tem diferentes origens e é defendida por organizações não governamentais como o Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace Brasil e o Observatório do Clima.

“O texto do governo não é nosso, mas, no fundo, a preocupação é a mesma, que é tornar mais vigorosas as penas tanto para incêndios quanto para outros crimes ambientais, como o desmatamento. A Lei de Crimes Ambientais já é antiga e alguns dos tipos penais têm se mostrado insuficientes para garantir uma dissuasão, amedrontar e ajudar a evitar os crimes ambientais. Essa é a primeira coisa”, resume a coordenadora de Políticas Públicas do observatório, Suely Vaz.

A entidade defende que o processo de alteração das normas seja conduzido pelo governo e pelo Congresso com perícia. “Temos que ter um texto que realmente produza efeitos, então, temos que ter penas cujos valores mínimo e máximo sejam realmente duros e não deem abertura, nos casos mais graves, para qualquer tipo de transação penal, para flexibilização de processo. Não adianta mudar a lei se isso não for feito com muita atenção e cuidado”, afirma Suely.


Amazônia e outros biomas vivem recorde de incêndios e fumaça se espalha pelo Brasil; causas das queimadas são investigadas / Foto: Evaristo Sa / AFP

A especialista destaca a preocupação com o alcance que a cultura da desproteção ambiental tem obtido no país ao longo do tempo. “Temos previsão legal de autorização prévia pra uso do fogo em atividades agrícolas desde o Código Florestal de 1934, há 90 anos. Mas quem no meio rural pede autorização prévia pra uso do fogo? Ninguém. É a regra mais descumprida do país. Então, mesmo que a intenção de uma pessoa não seja de provocar o incêndio, ou seja, que seja por descuido, a pena tem que ser alta pra que as pessoas se preocupem em cumprir a lei. A pena precisa ser vigorosa a ponto de as pessoas se preocuparem em não praticar esse ato”, advoga.

Normas

As normais atuais fixam, para quem matar, caçar ou perseguir espécies da fauna silvestre sem permissão, por exemplo, uma detenção de seis meses a um ano, além de multa. A gestão Lula discute a possibilidade de propor uma mudança para uma pena que varie de um a três anos. “A única questão a ser ressaltada é que deve haver um excludente de ilicitude para casos como o de alguém que mata um animal desse para saciar a fome da família, por exemplo. As situações de incêndio e desmatamento também são pontos que precisam ressalvar as práticas de povos indígenas e outras comunidades tradicionais”, pontua Suely Vaz.

A atual legislação prevê de um a três anos de reclusão para crimes de corte de árvores de florestas de preservação permanente sem autorização oficial. A gestão Lula analisa a ideia de sugerir pena de dois a cinco anos para esse tipo de situação.


Desmatamento atinge não só Amazônia, mas também o cerrado / Arquivo/Agência Brasil

Principal ponto de agudização da crise das últimas semanas, a provocação de incêndios em floresta ou em demais formas de vegetação tem hoje previsão legal de pena de reclusão de dois a quatro anos mais multa. Em seu atual estágio de análise, a minuta do governo prevê prisão de três a seis anos para tais ocorrências.

A proposta também acrescenta à norma atual um trecho que prevê reclusão de três a seis anos e multa para quem provocar danos diretos ou indiretos a Unidades de Conservação (UCs), “a suas zonas de amortecimento ou a terras indígenas”, além de outros pontos.

Desproporção

Suely Vaz assinala a importância de o país superar o que considera ser uma desproporção na atribuição de penas para alguns crimes. O artigo 41 da atual lei prevê, por exemplo, que a provocação de incêndio em floresta ou outras formas de vegetação terá reclusão de dois a quatro anos, além de multa, mas, se o crime for culposo [praticado sem intenção de cometer delito], o acusado pode ser submetido a uma detenção menor, que varia de seis meses a um ano, além de multa.

“Na prática, se a pessoa for processada, isso daí acaba resultando apenas no pagamento de cesta básica porque a Justiça acaba substituindo [a penalidade], já que, em penas mais baixas, o direito processual penal dá a possibilidade de aplicação de penas alternativas. Quem vai ligar pra um tipo penal desses? Ninguém. Então, mesmo a pena do crime culposo tem que ser alta”, defende a ambientalista.

Propostas

O Congresso já é palco de propostas que miram alterações na Lei de Crimes Ambientais. Cerca de 40 delas tramitam de forma conjunta com o PL 10.457/2018, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O governo ainda avalia qual arranjo deverá propor às lideranças parlamentares. “Poderia ser um substitutivo a um desses projetos, por exemplo. Mas, pessoalmente, acho que seria uma sinalização política importante o governo mandar um PL com urgência constitucional, porque isso mostraria a preocupação da gestão. O processo precisa ser célere e não caberia o envio de uma medida provisória (MP), por exemplo, porque matérias penais não podem tramitar por meio de MP”, observa Suely Vaz.

O terreno legislativo, no entanto, é árido para a gestão. Com a bancada ruralista dominando boa parte dos debates que tratam da agenda ambiental, os especialistas temem que o grupo aproveite a oportunidade de revisão da Lei nº 9605/1998 para, em vez de endurecer as penas, amenizá-las.

“Essa é exatamente a nossa preocupação porque temos visto que o Congresso tem capitaneado um processo de desmantelamento do Código Florestal, da própria legislação de licenciamento ambiental e tem sido o verdadeiro algoz do meio ambiente nos últimos tempos. Nessa perspectiva, essa preocupação é muito real”, afirma a porta-voz do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno.

Dados recentes produzidos pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) mostraram que a Câmara e o Senado têm, respectivamente, apenas 30% e 25% de compatibilidade com a agenda ambiental. O índice é medido a partir das votações que envolvem o tema. “Apesar disso, tenho uma leitura política de que, com o possível envio de um PL ao Legislativo, o governo está tentando dar uma resposta mais eloquente ao cenário de incêndios porque também ficou muito prejudicado em função da repercussão que os incêndios tiveram. Acho que a sociedade civil precisa ficar vigilante para que, diante de uma discussão sobre o tema no Congresso, os parlamentares não piorem a lei”, comenta a porta-voz do Greenpeace.

Olhar integrado

As entidades civis engajadas no debate ressaltam ainda que não basta que os Poderes Executivo e Legislativo discutam alterações legais. Para os especialistas, o status atual da crise climática e a gravidade dos incêndios registrados no país pedem medidas de fôlego pautadas em um olhar integrado para o controle do problema.

“A gente acha, por exemplo, que seria preciso fortalecer os brigadistas com capacitação, com equipamento mais bem estruturado. Existe, inclusive, um projeto de lei que regulamenta a profissão de brigadista, o que poderia ser um caminho interessante, já que a maior parte desses brigadistas é formada por indígenas, quilombolas, populações que conhecem a floresta, então seria uma medida importante”, elenca Gabriela Nepomuceno.

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Ela cita ainda medidas que poderiam ser adotadas em outras frentes, como o fortalecimento dos órgãos de fiscalização. “Infelizmente, isso esbarra numa série de restrições impostas pela política fiscal e monetária. Estou falando do arcabouço fiscal. Existe uma limitação que está dada e sempre podemos esbarrar nela quando falamos em melhorar a resposta do Estado ao problema”, aponta a representante do Greenpeace, acrescentando que o enfrentamento ao problema exige vontade política.

“Acho que podemos pensar ainda em outras ações, como o planejamento de médio e longo prazo [do governo federal] em diálogo com estados e municípios para preparar a capacidade dos entes federativos de responderem ao problema no curto, médio e longo prazos. Outro ponto que vai ao encontro do que a gente vem fazendo em termos de frente de campanha no Greenpeace é combater o desmate procurando atingir a meta de desmatamento zero ainda antes de 2030. Acho que também seria relevante a redução de fluxos financeiros que tendem a financiar propriedades que fazem uso irregular do fogo, por exemplo. Isso são medidas estruturantes que ajudariam a fechar o cerco contra os criminosos e que não se reduzem a medidas meramente punitivistas”, encerra Gabriela Nepomuceno.

Da Redação