Com votos de Marçal em disputa, Nunes precisará trabalhar ‘muito’ para confirmar favoritismo em São Paulo, dizem especialistas
Brasil de Fato
No primeiro turno das eleições municipais em São Paulo, o candidato à prefeitura Guilherme Boulos (Psol) conquistou a maioria dos votos na região central de São Paulo, como nos distritos de Bela Vista, Santa Efigênia, Perdizes e Vila Mariana, nos extremos das zonas oeste e leste, incluindo Pinheiros e Itaim Paulista, na região sudoeste, como no Capão Redondo e no Campo Limpo, e no extremo noroeste da cidade, em Pirituba e Perus.
O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), por sua vez, teve um melhor desempenho em parte da zona norte, como na Brasilândia, em quase toda a extensão da zona sul, incluindo Parelheiros, além de conquistar algum sucesso no centro expandido, a exemplo do distrito da Lapa.
Por fim, Pablo Marçal (PRTB), que ficou em terceiro lugar e, portanto, fora do segundo turno, foi mais bem votado em parte da zona norte e leste, como Tucuruvi e Itaquera, e em parte do centro expandido, como Mooca.
A distribuição dos votos se diferenciou bastante, pela primeira vez, dos mapas de votações anteriores. Tradicionalmente, a região central e o centro expandido eram redutos tucanos e, mais recentemente, daqueles ligados aos diferentes partidos de direita, como Nunes. Já a extrema periferia historicamente votou em nomes associados à esquerda, campo político no qual Boulos aparece como figura central.
Um dos fatores que explicam a mudança no mapa é a presença de Pablo Marçal (PRTB), o enfraquecimento da esquerda na chamada “periferia consolidada” e a força da máquina estatal na campanha de Ricardo Nunes.
Em relação ao mapa de votação da eleição municipal de 2020, a cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Camila Rocha, afirma que Guilherme Boulos conseguiu em bairros mais centrais da cidade, como Perdizes e Vila Mariana.
Ao mesmo tempo, o candidato do Psol conseguiu manter os votos em bairros da extrema periferia da zona leste. “Isso é uma coisa bastante interessante para o Boulos, porque com os anos os candidatos do PT vieram sofrendo um certo desgaste na classe média em São Paulo. Então, é interessante perceber que o Boulos ganhou nesses bairros”, afirma Rocha.
“Ele consegue ter tanto um discurso voltado para a classe média, eventualmente para pessoas com renda mais alta, quanto para pessoas que habitam bairros de extrema periferia. Acho que isso é uma qualidade bastante interessante dele. Ele consegue dialogar com segmentos bastante diferentes”, analisa a cientista.
Do outro lado, Nunes teve um desempenho eficiente num eixo que vai da zona sul à zona norte, incluindo territórios dos extremos que votam tradicionalmente na esquerda, como Parelheiros e Grajaú.
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Conquista dos eleitores do Marçal
Tanto Nunes quanto Boulos terão o desafio de avançar sobre regiões ainda não atingidas pela campanha, inclusive aquelas que eram tidas como certas, mas foram perdidas seja para o respectivo adversário do segundo turno, seja para Marçal. O ex-coach teve 1.719.274 votos, apenas 56.853 votos a menos do que Boulos e 81.865 a menos do que Nunes. O psolista e o atual prefeito foram para o segundo turno com 29,07% e 29,48% dos votos, respectivamente. Marçal teve 28,14%.
“Os desafios do Nunes vão ser conseguir de fato agregar nesse eleitorado do Marçal. Já tem uma sinalização nesse sentido de apoio do Marçal a Nunes, mas a gente sabe que durante a campanha teve um desgaste bastante importante entre os dois. Então, a gente também não sabe como vai ser para o eleitorado”, afirma Rocha.
No domingo, após o resultado da eleição, o ex-coach sinalizou para uma aproximação com o prefeito. “Tomara que o Ricardo leve em consideração algumas das nossas propostas, porque o eleitorado dele é exatamente do tamanho do meu eleitorado, espero que ele leve em consideração.”
Um dia depois, no entanto, Nunes rejeitou a possibilidade de fazer campanha ao lado de Marçal no segundo turno: “No meu palanque, não”. “Não vou procurar [Marçal]. Se for procurado, eu vou dizer a ele que espero que tenha aprendido com os erros e possa fazer uma reflexão de tudo aquilo que cometeu de erro e que siga o caminho dele e eu sigo o meu”, afirmou o emedebista.
Dada a divisão na direita, resta entender para qual lado o eleitor se guiará. “Seria interessante mesmo entender se essas pessoas votaram no Marçal realmente guiadas pelos valores do bolsonarismo ou se foram outras dinâmicas que explicam esse voto nesses bairros da periferia da zona leste. Mas talvez seja mais o apelo do Marçal em relação a esses temas do empreendedorismo”, diz a cientista política Camila Rocha.
Lincoln Telhado, cientista político e diretor do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (Ielp), reconhece que o atual prefeito é o favorito para vencer as eleições, dado o apoio de uma coligação partidária muito ampla, com 12 partidos: PP, MDB, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, Podemos, Avante, PRD, Mobiliza e União Brasil.
No comando da Prefeitura, Nunes também colhe os louros das obras do poder público e da capilaridade de seus aliados pela cidade. Outro ponto é que Nunes tende a herdar naturalmente os votos de Marçal, tendo em vista que é o candidato da direita no segundo turno.
No entanto, assim como a cientista política Camila Rocha, Lincoln Telhado defende que essa tendência não é automática. “O eleitor do Marçal é muito mais radical, muito mais autêntico, que procurou alguém que vem de fora. De certa forma, o eleitorado enxergava o Marçal como alguém que teria o ‘culhão’ para fazer coisas que os políticos tradicionais não fariam”, afirma Telhado.
“Ele vai ter três semanas para tentar conquistar esse eleitor radicalizado. Mas ele se apresentou muito mais como alguém de centro do que como alguém de direita. Nada nos indica que esse eleitorado vai conseguir ser mobilizado pelo Nunes para ir votar. Podem justamente abdicar de votar no segundo turno. A gente pode muito bem projetar que o Nunes vai ter dificuldade nesse eleitorado”, defende o cientista político.
E Boulos?
Para Camila Rocha, “Boulos tem que entender quais motivações levaram esses eleitores dos bairros mais periféricos a votar no Nunes e no Marçal. O voto no Nunes foi um voto de máquina Ou as pessoas ainda têm algum receio do Boulos ser um candidato mais radical? O que levou as pessoas a votarem no Marçal? Será que essas pessoas eventualmente podem votar no Boulos?”.
Na mesma linha, Lincoln Telhado desenha que Boulos pode vir a conquistar uma parte do eleitorado de Marçal. “O voto do Marçal é muito complexo. Em tese, o Nunes é um político tradicional que está na prefeitura, e o Boulos, de certa forma, é alguém novo. Ele representa uma mudança, que é também que o eleitor do Marçal queria. Mais de dois terços não votaram do prefeito atual, indicando uma mudança. Então, em tese, está em disputa”, afirma.
Na manhã desta quarta-feira (8), o candidato do Psol afirmou que conta com “sentimento de mudança” para derrotar Nunes, em entrevista à Jovem Pan. “70% da cidade de São Paulo, incluindo os eleitores do Marçal, votaram pela mudança. Agora essa é uma nova eleição. No segundo turno tem dois caminhos. […] O candidato da mudança no segundo turno sou eu”, disse Boulos.
“Se você que está assistindo acha que São Paulo está uma cidade segura, se você se sente seguro andando com seu celular, você concorda com o meu adversário. Quem sabe que São Paulo pode mais, merece mais, está comigo e com a Marta [Suplicy]. É isso que está em jogo nesse segundo turno”, acrescentou o candidato.
Lincoln também afirma que Boulos deve apostar em uma campanha propositiva para o segundo turno. Diferente das eleições presidenciais, no pleito municipal, a população está mais preocupada com as propostas dos candidatos para a cidade do que os embates ideológicos.
“Se o Boulos conseguir trazer para o centro do debate a avaliação do governo, ele tende a crescer. A eleição municipal é muito propositiva. Eu acho que se ele conseguir encampar isso, ele tende a ganhar”, diz Telhado.
Outro ponto é a alta taxa de abstenção da população no primeiro turno: 27,34% do eleitorado não foi votar no último domingo (6), o que abre uma franja para ser conquistada tanto por Boulos quanto por Nunes.