Favela do Moinho protesta contra violência policial e possível remoção: ‘Acham que a gente é bandido’

Brasil de Fato

“É que eles não sabem o que a gente passa. Eles não estão aqui. Eles são de gravatinha, né?”. É assim que a auxiliar de limpeza Gianine Keila Gomes de Souza vê a situação da Favela do Moinho, a última da região central da cidade de São Paulo. “Aqui a gente é lutador, a gente tem orgulho de estar aqui. Porque sempre eles quiserem tirar a gente daqui, sempre”, diz.

Na tarde desta quinta-feira (22), ela foi às ruas para protestar, junto com outros moradores da comunidade, contra a violência policial na área. Os manifestantes passaram pela Praça Princesa Isabel e pela avenida Rio Branco. Ao longo do ato, moradores e apoiadores gritavam “Fora Tarcísio” e empunhavam cartazes com dizeres como “o urbanista de São Paulo é o capital” e “cidade à venda“.

Os moradores denunciaram incursões de policiais militares em residências da comunidade no início deste mês, durante a megaoperação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim). Segundo eles, 44 imóveis foram interditados e inúmeras pessoas foram despejadas. Também denunciaram violências e ameaças que ocorrem historicamente na região.

A ação conjunta do governo do estado, da prefeitura e do Ministério Público de São Paulo (MPSP) teria por objetivo desferir “um golpe” na “criminalidade organizada que transformou a região central da capital paulista em um ecossistema de atividades ilícitas controladas pelo PCC”, segundo o MPSP. O órgão informou ainda que câmeras e antenas de comunicação capazes de captar o sinal de rádios das polícias estariam localizadas na favela.

Já os moradores apontam que PMs, policiais civis e agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) apreenderam celulares, agrediram e ameaçaram moradores. Também dizem que houve o fechamento do acesso da Cooperativa de Catadores da Comunidade, onde trabalham mais de 30 catadores, sem mandado ou qualquer outro documento. “Fecharam o meio de sobrevivência dos catadores de papelão, a maioria deles sobrevivem de reciclagem, isso é inaceitável. Colocaram pedras na frente e um lacre definitivo. Ninguém quer receber a associação pra tentar um diálogo”, diz Humberto José Marques Rocha, líder comunitário da Associação de Moradores da Comunidade do Moinho.

Francisca Carliane, moradora do Moinho há quatro anos, descreve cenas de opressão policial. “Eles saíram quebrando tudo, achando que a gente é bandido. Uma vizinha foi passar com a criança indo para a escola e o policial apontou a arma na cara da criança. Ela é cadeirante. É horrível isso, viver nessa vida. A gente é morador, a gente não é bandido”, protesta.

“Tenho uma filha de 8 anos. Quando eles [policiais] vêm, ela fica tremendo de medo, com medo de eles fazerem algo”, conta.

A possibilidade de uma remoção dos moradores da favela também assombra Humberto. Segundo ele, a maioria das famílias sobrevivem da reciclagem no centro de São Paulo. “As pessoas iriam passar muita necessidade. Eles prometem e nada cumprem. Eu moro aqui há mais ou menos 17 anos, nunca vi a presença da CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo] aqui, a primeira vez que vieram foi depois da operação. A gente gostaria que deixassem a nossa moradia em paz, a nossa permanência no centro.”

Gentrificação na região

A ideia de transferir a sede do governo do estado de São Paulo do bairro do Morumbi para Campos Elíseos, onde está localizada a Favela do Moinho, é mais um fator de incerteza para os moradores. Ainda que a comunidade não esteja inserida nas quadras a serem desapropriadas, os moradores afirmam que ameaças e pressões por parte de agentes de segurança pública se intensificaram depois que o projeto foi anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em março deste ano.

Além disso, existe a previsão de uma estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) no lugar da Favela do Moinho, como afirma o advogado Vítor Nery, do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que atua junto aos moradores da Favela do Moinho. “A gente sabe que existe um assédio por parte da própria CPTM para que ali seja construída a estação Bom Retiro de trem”, conta.

Nery explicou ainda que em 2008 os moradores conseguiram uma Tutela Antecipada de Usucapião, que assegurava permanência deles na área até o julgamento final de uma disputa judicial que envolvia o local, mas neste ano o Judiciário negou o legítimo direito ao usucapião e com isso os moradores podem ser despejados a qualquer momento. Mesmo assim, na visão dele o direito sobre a propriedade é dos moradores, que habitam o local há mais de três décadas.

“A posse é dos moradores, há mais de três, quatro gerações, então, se nós pegássemos de fato o direito brasileiro e aplicássemos, isso seria até uma discussão incontroversa. Agora a única via que ainda existe e resiste é a via política, porque se existe vontade política o Moinho fica e por isso inclusive o próprio Moinho tem se organizado nessa forma.”

Já a assistente social Marilene Geronimo, também do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, chama a atenção para os impactos de uma possível remoção dos moradores sobre os laços afetivos que eles criaram ao longo de três décadas na favela. “A remoção leva ao rompimento de vínculos comunitários, de solidariedade, isso também é muito forte dentro das comunidades. As comunidades têm um aquilombamento, elas se fortalecem a partir daquela realidade e o que está acontecendo ali é objeto de opressão, mas também é objeto de fortalecimento dessa comunidade.”

A união dos moradores se traduz nas iniciativas formadas por eles mesmos dentro da favela, ressalta. “Eles têm mais que pertencimento, têm identidade. A própria comunidade tem o Cine Moinho, que é um centro de convivência que é organizado, tem um time de futebol das mulheres. Então, a comunidade se organiza, eles têm essa cultura, essa consciência de pertencer àquele espaço.”

Outro lado

O Brasil de Fato questionou a Secretaria de Segurança Pública do governo estadual de São Paulo (SSP-SP) a respeito dos relatos de moradores de incursões não autorizadas de políciais em residências, apreensão de celulares, agressões e ameaças às famílias.  Em nota, a SSP-SP respondeu que “as polícias Civil e Militar atuam de acordo com princípios legais rigorosos” e que as corregedorias estão “à disposição para receber e apurar formalmente quaisquer denúncias”.

A reportagem também perguntou a respeito do fechamento do acesso da Cooperativa de Catadores da Comunidade. A nota da SSP-SP não trata do assunto.

Leia a íntegra abaixo:

As polícias Civil e Militar atuam de acordo com princípios legais rigorosos e qualquer desvio de conduta por parte de seus agentes é devidamente apurado. As corregedorias de ambas as instituições estão à disposição para receber e apurar formalmente quaisquer denúncias, assegurando que todas as questões sejam tratadas com a devida seriedade e transparência.

As forças de segurança de São Paulo uniram-se para desarticular a estrutura financeira de uma facção criminosa que controlava a distribuição de drogas no centro da capital. Utilizando hotéis, comércios e outros estabelecimentos para lavar dinheiro e manter um depósito de armas, a quadrilha foi alvo da Operação Salus et Dignitas, deflagrada no último dia 6. Iniciadas há um ano, as investigações envolveram as polícias Civil e Militar e o Gaeco, do Ministério Público. A operação visou isolar as lideranças do crime organizado, sufocando financeiramente a facção e combatendo a exploração de dependentes químicos. Foram cumpridos 117 mandados de busca e apreensão e sete de prisão.

Da Redação