‘É problemática, precipitada e cria pânico em comunidades’, diz defensor público sobre restrição de imigrantes sem visto no Brasil

Brasil de Fato

Na próxima segunda-feira (26), entra em vigor uma medida que restringe a entrada de imigrantes sem visto no Brasil. A decisão foi tomada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública depois de investigações da Polícia Federal apontarem fraudes em pedidos de refúgio.

Segundo a PF, imigrantes sem visto compram passagens de avião para algum país vizinho ao Brasil, mas com escala aqui. No momento desta conexão, chegando em solo brasileiro, eles solicitam refúgio. O objetivo seria, no fim, migrar para Estados Unidos ou Canadá.

Para o defensor público federal João Chaves, a medida não é eficiente e pode provocar outros problemas, como o aumento do contrabando de imigrantes. Ele conversou com o jornal Central do Brasil nesta sexta-feira (23).

“Os ‘coiotes’ [traficantes de pessoas] podem se utilizar disso para aumentar a cobrança de pessoas migrantes e criar novas estratégias ou novos trajetos migratórios. Essa medida é muito preocupante. O combate a fraudes e o contrabando de migrantes não pode se dar pela violação de direitos humanos, dentre eles o direito de solicitar proteção no Brasil”, explica o especialista.

Chaves também conta que a medida do governo pode aumentar ainda mais o estigma sobre imigrantes, mas tranquiliza refugiados que já estão no Brasil: “não há impacto nas pessoas que vivem no Brasil, os direitos das pessoas que já estão no Brasil, das refugiadas e de todos os migrantes segue idêntico”.

O que pode, sim, acontecer, segundo ele, é familiares dos refugiados que estão no país serem barrados no aeroporto e não poderem se estabelecer, conviverem juntos.

O defensor público federal também explica qual a situação dos mais de 480 imigrantes que já estavam retidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) e como o poder público está tratando o caso especificamente.

Assista no vídeo acima e leia abaixo a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Qual a sua avaliação dessa medida Ela é eficiente para combater o tráfico de pessoas, que é o objetivo anunciado pelo Ministério da Justiça

João Chaves: Não, essa medida não é eficiente e é, na verdade, um retrocesso na política migratória brasileira. É a maior mudança que nós temos na nossa política de refúgio nos últimos 25 anos. Ela é muito problemática, pois restringe o direito de pessoas solicitarem refúgio no Brasil, o que é um direito humano e reconhecido tanto no direito internacional como na lei brasileira.

Além disso, essa medida, por impedir todas as solicitações de refúgio, suspender o direito, pode até mesmo aumentar o contrabando de imigrantes, que é o trabalho dos chamados “coiotes”. Ou seja, criando dificuldades, os coiotes podem se utilizar disso para aumentar a cobrança de pessoas migrantes e, além disso, criar novas estratégias ou novos trajetos migratórios. Essa medida é muito preocupante, pois o combate a fraudes e o contrabando de migrantes não pode se dar pela violação de direitos humanos, dentre eles o direito de solicitar proteção no Brasil.

Como a gente consegue combater esse contrabando de imigrantes sem violar os direitos humanos, como você acabou de dizer?  

O combate ao contrabando de imigrantes – é o trabalho desses coiotes – deve ser feito a partir de investigação e cooperação internacional nos países de origem, tentando entender quais redes têm aliciado e cooptado pessoas para darem todas as suas economias em busca de jornadas tão longas e perigosas. Além disso, deve haver um trabalho de informação e conscientização sobre os riscos da migração irregular.

A Defensoria Pública da União, por exemplo, preparou um extenso material de informação com vídeos e áudios para as redes sociais alertando os migrantes sobre os riscos. O mais importante é dizer que, se a pessoa está no território brasileiro, ela tem direito a solicitar refúgio. Não é automático, essa solicitação vai ser analisada pelo Conare, que é o Comitê Nacional para os Refugiados, mas ela tem direito ao menos de ser escutada, ouvida, e não simplesmente devolvida a um país onde ela pode correr riscos.

Nesse momento, o Aeroporto de Guarulhos tem 481 imigrantes retidos. Como o poder público tem lidado com essa questão e qual deve ser o destino dessas pessoas?

Essas pessoas ficam retidas não porque a Polícia Federal esteja deportando até o momento, mas porque não há capacidade de processamento das solicitações. O que a Defensoria recomendou foi um procedimento acelerado para diminuir essas retenções. E, além disso, enquanto elas estão na área restrita, que seja fornecida alimentação, um mínimo de dignidade para o acolhimento com cobertores, já que é um local muito frio, e banheiros, já que sequer há condições de manter higiene pessoal. Infelizmente, não temos ainda respostas. Há um compromisso do Ministério da Justiça e da Polícia Federal de aumentar a capacidade de processamento, mas é fundamental pensar que não se trata de uma crise pontual.

A migração no mundo aumenta ano após ano, e é um fenômeno natural da vida. A migração irregular também, em especial porque os países, especialmente os países ricos, dos chamados norte-global, Estados Unidos e [da] Europa, criam dificuldades à circulação de imigrantes. Então, o Brasil não é o país desejado, mas é o país possível, onde as pessoas conseguem ter seus direitos reconhecidos.

Essa é uma medida que pode aumentar ainda mais o estigma em relação aos imigrantes?

Sim, há uma preocupação muito grande com relação a isso. O Brasil tem uma população relativamente pequena de imigrantes, menos de 1% da nossa população. E temos mais de 100 mil pessoas refugiadas. A forma como a medida foi anunciada foi precipitada, é uma medida, como eu disse, ilegal, bastante questionável e cria um pânico nas comunidades.

É muito importante dizer que as pessoas que estão no Brasil têm direitos e serão defendidas pela Defensoria e pelas entidades da sociedade civil. Mas que não se crie a ideia de que o Brasil mudou radicalmente a sua lei de migração. Foi um ato do Ministério da Justiça que certamente será questionado pela Defensoria e outros órgãos e esperamos que haja uma alteração e a normalização dessa política.

Essa medida para restringir a entrada de imigrantes sem visto no Brasil pode impactar quem já está vivendo aqui? Como fica a situação dessas pessoas?

Não, não há impacto nas pessoas que vivem no Brasil. Nós sabemos que há toda uma discussão envolvendo a reunião familiar, de pessoas que estão no Brasil e querem que seus familiares venham ou esperam que seus familiares venham. Isso, sim, pode ter um impacto indireto, já que as pessoas não poderão ser sequer escutadas pela Polícia Federal de acordo com essa nova medida adotada, mas os direitos das pessoas que solicitam refúgio, [que] já estão no Brasil, das refugiadas e de todos os migrantes segue idêntico.

Vale-se salientar que o Brasil é um exemplo mundial sobre acolhimento a pessoas migrantes. E eu posso dizer que, num país que tem tantos casos de violações graves de direitos humanos, quanto a pessoas em situação de rua, indígenas, a proteção a migrantes é um bom exemplo e deve ser aumentada e não restringida ou reduzida, como ocorreu na última decisão do governo federal.

Você pode assistir a entrevista completa com João Chaves, feita pela apresentadora Luana Ibelli, na edição desta sexta-feira (23) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.

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Da Redação