‘Marco de justiça’: Conselho de Ética da Câmara decide pela cassação de Chiquinho Brazão

Brasil de Fato

O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados decidiu, nesta quarta (28), pela cassação do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso preventivamente desde março deste ano por suposto envolvimento na autoria do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol), morta em 2018 em atentado que vitimou também o motorista Anderson Gomes. Agora, o processo deve se estender à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), à qual Chiquinho Brazão tende a recorrer. A CCJ, então, deverá votar o pedido em até cinco dias úteis. 

O parecer da relatora, Jack Rocha (PT-ES) foi aprovado pelo colegiado por 15 votos favoráveis à cassação por quebra de decoro e um voto contrário, do deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ). O placar contou ainda com uma abstenção, do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA).

A defesa de Brazão pediu, de forma liminar, a suspensão do processo disciplinar por seis meses até que o Judiciário aprofunde investigações sobre o caso. O advogado defendeu que o pedido de cassação do Psol fosse rejeitado, mas os pedidos foram negados pela mesa da comissão e pelos demais membros. 


Relatora do caso Brazão, Jack Rocha [à esquerda], e presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (UNIÃO – BA) / Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Repercussão

Parlamentares do Psol comemoraram a decisão do conselho, que foi proclamada sob aplausos de apoiadores. A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) disse que o resultado da votação representa “um marco de justiça para a sociedade brasileira”. “É uma justiça tardia. Foram seis anos, e é indignante que a defesa tenha pedido o adiamento por mais seis meses. Felizmente, não foi acatado porque, na verdade, passou da hora. Esse tema precisa de solução, reparação e justiça, mas ele não se encerra em si mesmo porque as milícias seguem atuando, os representantes delas nas instituições seguem atuando, e este é só o primeiro passo pra abertura de um portal muito pior e mais profundo do que a gente pode imaginar”. 

O psolista Chico Alencar (RJ) disse que a configuração do placar do Conselho de Ética demonstra um avanço da Câmara no entendimento do que significa o caso Brazão. “Acho que é um sinal muito positivo de que a preocupação ética no parlamento vai além de um partido, de um segmento. Entendemos que aqui, até para minha surpresa, houve um resultado bem largo, o que contrasta com a apreciação do plenário sobre a manutenção ou não da prisão”. Lá houve um número de votos proporcionalmente maior do que esses dois contrários [um contrário e uma abstenção] aqui. Então, acho que estamos avançando. Não sei se é a proximidade das eleições, mas a maioria quis mostrar um zelo por esta casa de leis. Isso é bom”. 

O plenário da Câmara se debruçou sobre o assunto em meados de abril, quando 277 deputados foram favoráveis à manutenção da prisão de Chiquinho Brazão, enquanto 129 votaram contra e 28 parlamentares se abstiveram.

Chico Alencar afirma que agora espera um debate fértil sobre o assunto na CCJ. “De um lado, isso é bom porque poderemos aprofundar a discussão sobre ética, sobre decoro, sobre o crime, que, aliás, do ponto de vista da Justiça criminal, ainda tem muitas pontas a serem ligadas, muitos aspectos a serem investigados. Não está concluído, na nossa visão, mas isso é outra instância”.

Relatório

O pedido do parecer da deputada Jack Rocha só foi revelado no último minuto, ainda durante a leitura do relatório, que ficou sob sigilo até o momento em que a parlamentar iniciou a defesa do voto. No documento, ela cita trecho do Código de Ética da Câmara que prevê as posturas consideradas passíveis de cassação, como abuso de prerrogativas constitucionais e prática de graves irregularidades no exercício do mandato que afetem “a dignidade da representação popular”.

O relatório da petista reverbera também o discurso sustentado pelo Psol na representação, que gerou o processo disciplinar no conselho, protocolada em março logo após a prisão de Brazão. Utilizando a representação como uma das referências, Jack Rocha afirma que “as provas coletadas tanto pelo colegiado quanto no curso do processo criminal são aptas a demonstrar que o representado tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”.

Chiquinho Brazão é investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que o acusa de envolvimento em esquemas de grilagem e ocupação irregular de terras, organizações criminosas e atividades de milícia. As apurações levaram à suspeita de envolvimento dele no caso Marielle como um dos mandantes do assassinato. O parlamentar foi preso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que também autorizou, em março, a prisão do irmão do deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, acusado de parceria na autoria intelectual do crime. A Corte também autorizou a prisão do delegado Rivaldo Barbosa, este suspeito de ajudar a planejar o assassinato de Marielle e dificultar as apurações do caso.

Defesa

Ao se manifestar por alguns minutos durante a sessão desta quarta, Chiquinho Brazão disse que era amigo de Marielle Franco e que “não teria qualquer motivo” para cometer o crime de que é acusado. Ele também negou todas as demais imputações feitas pela PGR, evocadas no relatório de Jack Rocha, e disse que a suposta ligação de sua imagem com a milícia surgiu pelo fato de ter sido criado junto a comunidades periféricas do Rio de Janeiro. “Tenho uma boa lida [com elas]. Sempre procurei andar sozinho nessas comunidades. Eu fazia campanha apertando a mão das pessoas, passando na rua”, relatou.

Na sequência, o advogado do deputado, Cleber Lopes, disse que houve “prejuízo substancial” no processo que tramita no Conselho de Ética pelo fato de várias testemunhas terem se recusado a comparecer ao colegiado para depor a favor de Brazão. Ele também apelou para que os parlamentares seguissem a jurisprudência já consolidada pela Casa, segundo a qual os deputados não podem ser julgados e condenados politicamente por fatos anteriores ao mandato.

Lopes citou como um dos exemplos o caso do deputado André Janones (Avante-MG), que, em junho deste ano, teve um processo de cassação arquivado no Conselho de Ética com base no mesmo argumento. O parlamentar é acusado pela Polícia Federal de prática de “rachadinha” antes de 2019, ano em que iniciou o mandato de deputado federal.

 

Da Redação