Rússia fora das Olimpíadas: entenda como guerra da Ucrânia causou banimento
Brasil de Fato
A Rússia está oficialmente banida das Olimpíadas 2024. Apenas 15 atletas russos estão em Paris para participar dos Jogos, e eles não podem usar nenhum símbolo nacional, como uniforme ou bandeira. Se algum desses atletas chegar ao pódio, o hino russo não poderá ser tocado. Por conta da guerra da Ucrânia, os atletas russos autorizados a competir nos Jogos vão atuar sob condição de neutralidade, com cores e hinos neutros impostos pelo Comitê Olímpico Internacional.
As ‘sanções olímpicas’ à Rússia não são uma novidade. O país não compete sob sua bandeira oficial desde as Olimpíadas do Rio em 2016. Na ocasião, há duas semanas do início dos Jogos no Brasil, Agência Mundial Antidoping (WADA) exigiu que a Rússia fosse retirada das Olimpíadas, mas o Comitê Olímpico Internacional (COI) acabou não adotando tal passo, decidindo punir apenas as equipes de atletismo e de levantamento de peso, bem como vários atletas individuais de outras modalidades envolvidos nas acusações de doping.
Daí em diante, em todos os Jogos de Verão e de Inverno os atletas russos mantinham uma presença robusta de esportistas, mas sem o uso de sua bandeira oficial nas competições, pódios e quadro de medalhas.
Nas Olimpíadas de 2018, 2020 e 2022 (incluindo os Jogos de Inverno), os atletas russos competiram com o emblema das Olimpíadas, sendo designados como “Atletas Olímpicos da Rússia”, em 2018, e como atletas do “Comitê Olímpico da Rússia” nas edições seguintes. Em 2022, os russos medalhistas subiam ao pódio ao som um fragmento de um concerto de Tchaikovsky sob a bandeira do Comitê Olímpico Nacional.
Agora, com o país imerso na guerra da Ucrânia, a medidas são muito mais drásticas. Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador esportivo e pesquisador da Rutgers University (EUA), Timur Mukhamatulin, observa que atual posição do COI é continuação de outras medidas restritivas em relação à Rússia e ao Comitê Olímpico da Russo, mas agora é um “status diferente”.
A bandeira designada aos russos e bielorrussos na competição é azul esverdeada contém um emblema branco sigla AIN (Atletas Neutros Individuais).
Também foi designado um “hino” específico para tocar na cerimônia e nas premiações dos “atletas neutros”. A presidente da Federação Russa de Ginástica Rítmica, Irina Viner, classificou a melodia do hino designado pelo COI como algo semelhante a uma “marcha fúnebre”. De acordo com ela, ir aos Jogos sem hino e sem bandeira é “humilhante”. Moscou acusa o comitê de “destruir as ideias do espírito olímpico”.
Quando saiu a decisão do COI, em março deste ano, a diplomacia russa denunciou o banimento da Rússia como uma forma de discriminação. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, afirmou que essas decisões “demonstram até que ponto o COI se afastou dos seus princípios declarados e caiu no racismo e no neonazismo”. “A segregação de pessoas com base na nacionalidade, etnia, exclusão de pessoas apenas com base na cidadania de eventos desportivos internacionais é a melhor prova disso”, afirmou.
O historiador esportivo, Timur Mukhamatulin, por sua vez, destaca que o Comitê Olímpico Internacional “teve receio de manifestar discriminação sobre o princípio de cidadania”. “Se o COI não permite os atletas da Rússia e de Belarus só porque eles representam esses países, então essa decisão pode significar uma decisão discriminatória por passaporte, por cidadania”, afirma.
Por outro lado, o pesquisador observa que “seria impossível fingir que nada aconteceu”, considerando a particularidade de que a intervenção militar da Rússia na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022 aconteceu durante o período olímpico, às vésperas dos Jogos de Inverno de Pequim.
“A base formal para que os atletas russos e bielorrusso não fossem permitidos em competições internacionais sob a égide do Comitê Olímpico Internacional foi a violação da trégua olímpica. A intervenção de larga escala da Rússia na Ucrânia aconteceu antes das Paraolimpíadas de Inverno de Pequim. Por isso, a Rússia e Belarus foram acusadas de violar os princípios da trégua olímpica, então fazer de conta que nada aconteceu também não seria possível. O COI tinha o receio de que atletas ucranianos e de outros países poderiam boicotar as competições com participação de atletas russos”, explica.
Assim, decisão do COI, tomada em março deste ano, estabeleceu um limite de no máximo 54 atletas da Rússia e 28 de Belarus para se classificar para os Jogos de Paris. Entre os critérios, o órgão definiu que atletas que “apoiaram ativamente a guerra” ou fossem ligados a agências de aplicação da lei ou do exército, não seriam autorizados a participar dos jogos. Além disso, apenas atletas de esportes individuais destes países puderam se qualificar para os Jogos.
Timur Mukhamatulin diz que a avaliação do COI foi de que esta decisão foi um caminho de “meio termo” possível, o que não agradou nem a Rússia, nem a Ucrânia.
“A parte russa alegou que isso é discriminação por motivos étnicos e a parte ucraniana considerou que a decisão foi uma benevolência com a Rússia. Segundo o lado ucraniano, isso é forma de fechar os olhos para o fato de que a direção política russa continuaria usando os atletas russos, mesmo sob a bandeira AIN, para os seus objetivos políticos”, afirma.
Vale lembrar que o número tão inferior de atletas russos, além dos critérios de classificação do COI, também foi causado pela decisão de autoridades esportivas russas, do Comitê Olímpico da Rússia de não liberar os atletas.
Vários atletas com passaporte russo chegaram a receber autorização do COI para atuar nas Olimpíadas, mas algumas federações decidiram recusar a participação. A Federação Russa de Judô, por exemplo, anunciou que não liberou quatro atletas elegíveis para as Olimpíadas, uma vez que outras 13 pessoas não foram permitidas. A Federação Russa de Luta Livre também decidiu recusar a participação nos Jogos.
A Rússia terá representantes em apenas cinco modalidades esportivas: sete atletas no tênis, três no caiaque e canoagem, três no ciclismo, um nas competições de natação e um no trampolim.
Exclusão da Rússia põe em xeque isonomia política do COI
O banimento da Rússia e de Belarus gerou questionamentos sobre a isonomia do COI. Proibições semelhantes aconteceram na história das Olimpíadas, como os casos da Alemanha após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e da África do Sul no período do Apartheid. No entanto, os EUA, por exemplo, nunca sofreram sanções do COI em casos de invasões e guerras em outros países ao longo da história. E, no caso dos Jogos de Paris 2024, o Comitê Olímpico Palestino (COP) pediu ao COI a “imediata exclusão de Israel das Olimpíadas” pelo massacre em curso na Faixa de Gaza, que já deixou mais de 39 mil palestinos mortos.
Segundo o pesquisador sobre da Universidade Técnica Estatal de Moscou N.E. Bauman, Andrey Adelfinsky, o princípio sustentado pelo COI de que o esporte está fora da política “sempre pareceu falso, e, na atual situação, o Comitê Olímpico Internacional confirma isto mais uma vez”.
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Ao Brasil de Fato, o autor apontou que a política do COI reproduz a política do Ocidente, em particular dos EUA, em relação à Rússia, buscando diminuir a importância da Rússia no mundo.
“A unipolaridade dos EUA, que busca combater a relevância da Rússia no cenário internacional, no atual momento se manifesta também nas relações esportivas. E as sanções que são aplicadas à Rússia nos últimos dez anos são continuidade dessa política”, completa.
O presidente russo, Vladimir Putin, ao rejeitar a proposta da França, feita em maio, sobre uma possível trégua olímpica, adotando um cessar-fogo durante os Jogos, fez menção à política de duplos padrões em relação à Rússia e criticou a posição contraditória do Ocidente ao longo da história.
“Esses princípios olímpicos, incluindo a trégua olímpica, são muito justos. Não é por acaso que foi desenvolvido pela comunidade mundial ao longo dos séculos. Mas poucos países a respeitaram na história, com exceção da Grécia antiga […] Eles próprios violam [os princípios], inclusive em relação à Rússia, não permitindo que os nossos atletas possam competir nos Jogos Olímpicos com o seu nome, com a sua bandeira e com o seu hino nacional, mas querem que, por sua vez, sigamos as regras que eles nos ditam”, disse Putin na ocasião.
Prejuízo para o esporte russo
Para além das questões políticas em torno das Olimpíadas, a previsão é que o banimento da Rússia das Olimpíadas gere efeitos negativos para o desenvolvimento de várias modalidades esportivas na Rússia. De acordo com Mukhamatulin, a ausência de concorrência de alto nível terá “consequências catastróficas” para o esporte russo. Ele explica que a maioria das modalidades esportivas olímpicas russas têm um reconhecimento e uma popularidade baixa, portanto, dependem das verbas estatais oferecidas através das federações.
Assim, segundo ele, em qualquer momento o Estado pode cortar estes incentivos. “Isso significará que essas modalidades passarão para um status amador e terão perda de interesse”, completa.
O efeito imediato da exclusão da Rússia, no que diz respeito ao público, é que pela primeira vez em 40 anos as Olimpíadas não serão transmitidas no país. Os canais de TV e serviços de streaming do país decidiram não adquirir os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos.
Ao mesmo tempo, um outro efeito para o esporte russo que já está ocorrendo é a “migração esportiva”. A impossibilidade de competir em alto nível no principal evento esportivo do mundo, tem levado atletas russos a adquirir outras nacionalidades para poder participar dos Jogos representando outros países.
“Alguns se mudam para países da Ásia Central e recebem cidadania do Uzbequistão, Quirguistão ou do Cazaquistão. Outros se mudam para a Europa Ocidental, nessas Olimpíadas, por exemplo, um atleta russa irá representar a França. Por isso, não terá muita coisa boa a partir disso. A ausência de concorrência vai provocar uma degradação, e isso diz respeito não só às modalidades esportivas para os quais as Olimpíadas são o estágio principal, mas em esportes como futebol, basquete, vôlei, hóquei, que são muito populares na Rússia”, completa o historiador Timur Mukhamatulin.