A paixão dos cubanos pelas Olimpíadas: como um país tão pequeno conseguiu tanto sucesso?

Brasil de Fato

Durante os últimos 60 anos, Cuba conseguiu escrever uma história de glória esportiva que desafia tanto seu pequeno tamanho como as constantes adversidades econômicas que enfrenta. Com uma paixão implacável, o país se tornou o país de língua hispânica que mais medalhas conquistou na história dos Jogos Olímpicos. Para se ter ideia, Cuba tem mais do dobro de medalhas do que a Espanha, por exemplo, mas com uma população quase cinco vezes menor. 

De acordo com dados do Comitê Olímpico Internacional, a ilha caribenha chegou aos Jogos Olímpicos de Paris 2024 no décimo sexto lugar entre os países com mais medalhas no mundo. Até a edição deste ano, Cuba tinha conquistado 235 medalhas (84 de ouro, 69 de prata e 82 de bronze), ao longo de um extenso caminho em que tem forjado verdadeiras lendas no boxe, judô, atletismo, lutas e vôlei. 

Sua primeira participação remonta à segunda edição dos Jogos Olímpicos, realizada em 1900. Desde muito cedo, Cuba foi um dos cinco países da América Latina e do Caribe que participaram dos Jogos Olímpicos junto com Argentina, México, Peru e Haiti. 

No entanto, durante várias décadas, a participação de Cuba não foi nada relevante e, em cinco ocasiões, o país não conseguiu classificar nenhum atleta. Foi somente até meados da década de 1960 que a ilha conseguiu gerar uma participação notável. Até 1956, a última Olimpíada em que participou antes do triunfo da Revolução de 1959, Cuba só tinha conquistado seis medalhas. 

Em 1960, foi a primeira vez que Cuba participou do cenário olímpico após o triunfo da Revolução. A delegação da época estava composta por 12 atletas, 9 homens e 3 mulheres, que competiram em 8 modalidades. Aquele momento marcou um novo começo para o país. 

Naquela época, o caráter socialista da revolução ainda não tinha sido proclamado. Mas a mudança política radical pela qual Cuba estava passando, com a derrubada da ditadura de Batista, fez com que a atenção internacional se concentrasse no que acontecia nessa pequena ilha do Caribe, que até então era pouco conhecida mundialmente. A presença de Cuba nos Jogos Olímpicos foi um desafio em si: um gesto de independência e determinação.

Foi a partir de Tóquio, em 1964, que Cuba começou a demonstrar o desenvolvimento esportivo da ilha. Durante aqueles primeiros cinco anos da Revolução, o país tinha passado por vertiginosas transformações sociais, econômicas, culturais, políticas e sociais. A construção de um novo tipo de sociedade, que já se definia como socialista, contava com a efervescência e a participação constante da população, especialmente dos setores mais pobres.  

Naquele ano, Cuba conseguiu classificar 27 atletas, incluindo 2 mulheres, o que significou aumento de mais que o dobro do número de atletas da edição anterior. Após 16 anos sem medalha, Cuba voltava ao pódio olímpico com uma medalha de prata obtida pelo velocista Enrique Figuerola. 

A partir desse momento, Cuba acumularia medalhas em cada uma das edições dos Jogos Olímpicos em que participou, até se tornar um dos países com mais medalhas olímpicas do mundo. Das 235 medalhas que Cuba conquistou até os Jogos Olímpicos de Paris 2024, 229 foram conquistadas após a Revolução. 

Assim como na educação, na ciência, na saúde e na cultura, a Revolução Cubana se propôs a constituir uma sociedade em que o esporte fosse direito e não luxo reservado para quem têm tempo ou dinheiro. 

O destaque do verão

“Para nós, este é um dos principais eventos a cada quatro anos. E é o que mais acompanhamos”, diz sorrindo Denisse Arabi, jornalista cubana que acompanha o desempenho dos atletas em Paris, ao Brasil de Fato

Os gritos de comemoração e as televisões ligadas se ouvem em cada esquina de Havana durante as semanas dos Jogos Olímpicos. Os grandes eventos, como as finais, são exibidos nos cinemas, praticamente gratuitos para todos.    

“Acho que é porque esses são os esportes em que fomos representados por anos, nos deu esse senso de pertencimento. E mesmo que Cuba não compita em um determinado esporte, estamos mais familiarizados com os atletas, como o esporte funciona, como é a pontuação. Portanto, sabemos como os esportes funcionam e gostamos de assisti-los e acompanhá-los”, explica Arabí.

Os atletas cubanos são símbolo de orgulho para seu povo. Histórias de suas epopeias são tema de conversas, denotando um certo patriotismo. 

“Se um cubano não ganhar, na ordem de prioridades, apoiaremos um latino-americano”, afirma Arabí com toda a certeza. “E isso vale para cada região. Se um cubano não ganhar, escolheremos um caribenho, depois um sul-americano, e assim por diante, na ordem da região”. 

“Meu pedaço de Cuba” 

A primeira medalha feminina que Cuba ganhou foi no México 1968. Miguelina Cobián, Violeta Quesada, Fulgencia Romay e Marlene Elejalde ganharam a prata no revezamento 4x100m, tornando-se inspiração para milhares de mulheres.  

Desde então, Cuba vem consolidando sua posição de protagonismo em várias modalidades. Primeiro conseguiu lugar preponderante no boxe, onde conquistou 78 medalhas. Lá Teófilo Stevenson e Félix Savón, que ganharam três medalhas de ouro cada um, tornaram-se ídolos.

Existem várias lendas em torno de Stevenson. Em mais de uma ocasião, ele recebeu ofertas de milhões de dólares para deixar Cuba e lutar nos Estados Unidos. Negar frequentemente as tentadoras fortunas que lhe eram oferecidas fez dele um verdadeiro emblema de Cuba. 

“Não deixarei meu país nem por um milhão de dólares, nem por muito mais. O que significa um milhão de dólares comparado ao amor de oito milhões de cubanos? Eu não trocaria meu pedaço de Cuba por todo o dinheiro que pudessem me oferecer”, teria dito ele ao rejeitar uma delas.  

Em março de 1974, a prestigiosa revista estadunidense Sport Illustrated lhe dedicou um extenso artigo, intitulado: “Antes vermelho do que rico”. O atletismo é o segundo esporte em que Cuba conquistou o maior número de medalhas, 45, seguido pelo judô, com 37.  

Durante a década do 1990, Cuba passou pelo que foi conhecido como o “período especial”, o momento econômico e social mais crítico para a ilha, quando, após o colapso da URSS, Cuba perdeu seu principal parceiro econômico e diplomático. Nesse contexto, o endurecimento do bloqueio dos EUA à economia cubana deixou a economia do país completamente isolada. Durante os primeiros anos da década, o PIB do país sofreu uma contração de aproximadamente 36%.

Foi nesse contexto dramático que as “Espetaculares Morenas do Caribe”, como a imprensa apelidou o time de vôlei feminino, se destacaram. Durante três Jogos Olímpicos consecutivos (1992, 1996 e 2000), as Morenas do Caribe ganharam a medalha de ouro. Em 2001, a jogadora do time, Regla Torres, foi eleita “a melhor jogadora de vôlei do século 20”.

“O que nos motivou a alcançar essas vitórias foi principalmente o povo de Cuba. Nosso povo é muito esportivo, e uma das alegrias que pudemos dar ao povo foram as vitórias que conquistamos”, disse Torres em inúmeras entrevistas. 

Quanto ao esporte mais popular da ilha, o beisebol também teve participação notável. Das seis vezes em que o beisebol fez parte das competições dos Jogos Olímpicos, por cinco vezes a equipe cubana ocupou um lugares no pódio. Foram três ouros e duas pratas.

Solidariedade e esporte 

Houve apenas duas edições olímpicas em que Cuba não ganhou medalhas: Los Angeles, em 1984, e Seul, em 1988.

Em ambas as ocasiões, apesar de ter se tornado uma potência esportiva, Cuba decidiu não participar. Foi uma decisão muito cara, já que se tratava de duas competições consecutivas na que talvez tenha sido a melhor década do país. 

No caso de Los Angeles, a decisão foi resposta ao boicote que os EUA tinham organizado anteriormente contra os Jogos Olímpicos realizados em 1980 em Moscou, então capital da União Soviética. 

Naquele ano, em vez de participar de Los Angeles, quase 50 países organizaram uma “contra-Olimpíada” chamada Jogos da Amizade, que contou com 2,3 mil atletas e cuja cerimônia de abertura foi realizada no Estádio Lenin, em Moscou. 

Para as Olimpíadas seguintes, em 1988, a capital sul-coreana, Seul, foi escolhida como sede. A Coreia do Norte se opôs à escolha, solicitando que o evento fosse realizado em ambos territórios, metade na Coreia do Sul e metade na Coreia do Norte. Entretanto, diante dessa recusa, Cuba decidiu demonstrar solidariedade à Coreia do Norte e não participar dos jogos. 

Os desafios do bloqueio

Como em todos os aspectos da vida em Cuba, o bloqueio ilegal dos EUA contra a ilha sufoca as possibilidades de desenvolvimento do esporte. De acordo com as últimas estimativas da ONU, o bloqueio gerou perdas de US$ 13 milhões de dólares (R$ 66 bi) por dia para o Estado cubano somente no ano passado. Uma quantidade gigantesca de recursos que o país está impedido de usar para melhorar a qualidade de vida de sua população.

A perda de recursos afeta diretamente o acesso a equipamentos esportivos distribuídos em centros de treinamento esportivo gratuitos, além do acesso a alimentos saudáveis, para a população praticar esportes de alto desempenho. 

Quando Cuba organiza sessões de treinamento na ilha ou intercâmbios esportivos, os atletas de outros países que decidem viajar para o país passam a ter dificuldade para obter vistos para viajar para os Estados Unidos. O objetivo é desestimular as visitas à ilha.  

O bloqueio contra Cuba é um dos grandes exemplos da violação sistemática e constante do direito internacional. Todos os anos, desde 1992, a Assembleia Geral da ONU tem se pronunciado, por esmagadora maioria, contra o bloqueio mantido pelos Estados Unidos. Argumentando que se trata de uma política que viola “a igualdade soberana dos Estados, a não intervenção e a não interferência em seus assuntos internos e a liberdade de comércio e navegação internacionais”. No entanto, ao longo dessas mais de três décadas, Washington manteve sua política autoritária com impunidade. 

 

Da Redação