Incêndio em casa de Planaltina (DF) retrata a falta de regularização habitacional, afirma coordenador do MTST

Brasil de Fato

Uma família de cinco pessoas morreu carbonizada em uma casa de madeira no bairro de Nossa Senhora de Fátima em Arapoanga, região administrativa de Planaltina (DF), após um incêndio na última segunda-feira (12). A principal hipótese da perícia é de que o sinistro ocorreu por conta de uma vela – com finalidade espiritual/religiosa ou como forma de iluminação já que não havia energia elétrica constante. Também é possível que a fagulha inicial tenha se dado no fornecimento de energia elétrica irregular.

O bairro fica às margens da DF-230, próximo ao Morro da Capelinha. O local é considerado pelo governo do DF (GDF) como ‘invasão’. Segundo a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal), desde 2021, foram realizadas cinco operações de fiscalização ou demolição na área, sendo a mais recente em junho deste ano.

Em outubro de 2020, o DF Legal havia removido 680 metros lineares de arames e madeiras em cercas irregulares, no bairro. O órgão também havia recebido denúncias de que grileiros cercaram os lotes e estavam ameaçando moradores com facões.

Todo o ambiente da residência favorecia condições de incêndio: uma casa de madeira, lona de plástico, cômodos apertados e necessidade de velas. Assim é também a moradia de muitas pessoas em situação de habitação precária no DF. A Defesa Civil calcula que há cerca de 250 famílias que moram na comunidade e estão numa situação de extrema vulnerabilidade.

O administrador do Arapoanga, Sérgio de Araújo, afirma que a área é particular e que, consequentemente, não é passível de regularização e estrutura pública de iluminação e saneamento básico. Isso leva a população a recorrer aos “gatos” e improvisos. Durante a presença no local, a Defesa Civil desligou a energia elétrica disponível para evitar maiores problemas.

Incêndio expõe falta de direito à moradia

Para o coordenador do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) no DF, Rud Rafael, qualquer que tenha sido a causa do incêndio, é um fato que expõe a precarização típica de um terreno não regularizado pelo GDF.

“Não podemos dizer que essa é uma realidade desconhecida, o próprio Instituto de Pesquisa Estatística do DF reconhece, são mais de 20 mil habitações precárias e Planaltina é a 3ª região do DF com maior número de domicílios em situação de déficit habitacional [habitação precária também está inclusa no indicador]”, avalia.

Rud Rafael considera que a ocupação de lotes desse tipo concorrem com outros fatores econômicos que afligem os direitos à terra e à moradia para favorecer grandes proprietários através do latifúndio, grilagem e especulação imobiliária.

Ele afirma que “o DF tem mais de 182 mil domicílios vagos e pouco mais de 100 mil famílias precisando de moradia. Num lugar que concentra regiões do que seriam o bairro mais caro do país [Lago Sul] e a maior favela do país [Sol Nascente], se vê que o problema não é de falta de moradia ou de recursos, é a lógica de segregação imposta pelo Estado e pelos agentes privados”.

“Infelizmente, mais uma vez, o que está em questão é que ou se prioriza a garantia do direito à moradia ou teremos vidas sendo desperdiçadas. É inaceitável que em 2024 nós tenhamos famílias ameaçadas de morte porque tem seu direito à moradia digna violado. Só se resolve esse problema com uma política de moradia. É grave que a posição pública do governo seja essa, de apenas se preocupar com a defesa da propriedade, ao invés da proteção das pessoas”.

A comunidade estendeu faixas ao redor do local com os dizeres “Queremos justiça!”, “Dignidade já” e “Queremos resposta!” para destacar o ambiente de risco e vulnerabilidade social, já que a estrutura da residência favorecia condições de incêndio.


“Queremos justiça!”, afirma manifestação da comunidade do Arapoanga / Foto: Fábio Félix/reprodução

Tradição habitacional no DF

De acordo com um estudo publicado pelo urbanista Filipe Rodrigues Ferreira, a região administrativa de Planaltina possui uma configuração urbana pautada na inserção de áreas destinadas a receber populações removidas de invasões existentes no centro de Brasília.

“Além disso, Planaltina também conteve em sua urbanização a manifestação de parcelamentos irregulares que acabaram por gerar localidades com alta densidade populacional, onde foi necessário a implantação de Subadministrações Regionais, como o Setor Habitacional Arapoanga”, observa.

O urbanista Gabriel Ribeiro Couto acrescenta que o desenvolvimento urbano do DF gerou extensas periferias precárias e autoconstruídas, que reproduzem um espaço urbano desigual, marcado pela separação entre a cidade oficial, comprometida com o urbanismo e suas legislações, e a ilegal, “representada pela grande ocupação ilegal do espaço urbano, excluída dos circuitos do mercado imobiliário privado, alvo da grilagem predatória de terras comandada por milícias e pelo crime organizado, negligenciada nas políticas públicas e ignorada nas representações da cidade oficial – que miram as centralidades hegemônicas –, reproduzindo desigualdades e privilégios”.

Para Rud Rafael, a situação é resultado de uma política histórica de remoção dos setores mais pobres das áreas valorizadas e de omissão deliberada em manter essas famílias em situação de risco.

“Quando não se pode jogar para mais longe, se criam verdadeiras zonas de sacrifício. O resultado disso é que as famílias trabalhadoras vão ter que se virar para ter um teto para morar e o Estado deveria estar do lado delas e não de quem concentra propriedade, de quem grila terras ou especula com o que deveria ser direito”, conclui.

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Da Redação