Líbano, Israel e o risco de uma guerra total no Oriente Médio

Brasil de Fato

Vivemos em um tempo de profunda apreensão com os destinos da humanidade. Uma confluência de fenômenos parece ligar os fios do tempo histórico em um trilho rumo ao desconhecido. A guerra entre Estados Unidos/OTAN contra a Rússia se encontra em um momento decisivo: é questão de tempo, um curto tempo, para que a Ucrânia sofra não apenas com a derrota militar, mas também com a mudança política que será inevitável com a vitória russa.

Já no Oriente Médio, Israel e Estados Unidos traçam um mapa que pode conduzir a guerra total na região. Eis os eventos de nossa época que exigirão uma enorme resposta mundial para que o pior cenário não seja o único possível. O pânico nos Estados Unidos e aliados tem feito com que os defensores da guerra total dobrem suas apostas.

Uma invasão do território russo, a região de Kursk, sem nenhuma chance de vitória real levou à morte de milhares de soldados ucranianos e centenas de civis russos, uma típica investida punitiva que foi demolida pelo que é hoje a maior e mais efetiva força militar do planeta, a Rússia. Ao mesmo tempo, uma conversa mal disfarçada sobre a permissão de mísseis de médio e longo alcance de propriedade da OTAN serem lançados em todas as regiões da Rússia acelerou uma mudança fundamental na doutrina sobre o uso de armas nucleares por Moscou.

A partir de agora, um Estado não nuclear apoiado por outro Estado nuclear que use armamentos convencionais em larga escala e que ameace a existência do Estado russo será alvo legítimo dos poderosos mísseis hipersônicos nucleares da Rússia. Estados Unidos/Otan continuam afirmando que Vladimir Putin blefa e segundo a revista The Economist em recente artigo, a Ucrânia está perdendo a guerra e é hora dos aliados agirem diretamente sobre a questão.

Seria mais honesto admitir que chegou a hora de transformar o mundo em cinzas num conflito nuclear que certamente será o resultado de um confronto direto. Como se não bastasse o alto risco que o império corre em suas apostas na Ucrânia para ver se seus delírios de derrotar a Rússia se concretizam, em outubro de 2023 um novo front foi aberto no Oriente Médio.

Não há mais necessidade de discutir a validade ou não da ação do Hamas. Diante do atual genocídio do povo palestino praticado pelo Estado terrorista de Israel, certo ou não, sempre o direito de defesa diante do colonizador prevalecerá sobre outras avaliações. Mas o que se desenrolou de outubro até agora não é apenas mais um capítulo que o acaso histórico trouxe ao já conturbado cenário mundial.

Israel e Estados Unidos promovem uma escalada perigosa em que o primeiro foi autorizado a usar toda sua força para atender a estratégia maior do “bloco ocidental”: enfraquecer a ascensão de uma nova ordem mundial multipolar. O genocídio do povo palestino atende aos interesses de Israel mas, numa camada mais profunda, teve como objetivo trazer todo o chamado “eixo da resistência” para uma guerra total na região.

Esse “eixo da resistência” vem se consolidando desde a tentativa de destruição da Síria em 2011 que, graças ao apoio da Rússia em articulação com o Irã, Hezbollah no Líbano e o Hamas na Palestina, sobreviveu a tentativa de sua desintegração. Desde então, esse grupo que envolve Estado e entes não estatais cresceu em força e organização, incorporando forças do Iraque e dos houthis no Iêmen.

Estamos falando, portanto, de vastas regiões do planeta que estão em guerra declarada e ampliando suas alianças. Mas onde essas duas ondas de choque se encontram? Se antes podíamos ter a impressão de que estávamos diante de dois fenômenos que, apesar de se aproximarem não se tocavam, o dia de hoje, 28 de setembro, pode ter selado uma mudança estrutural no desenrolar da transição de poder no século 21. A escalada de Israel contra o Irã, via assassinatos e atentados contra líderes da resistência, não foram suficientes para arrastar os iranianos para a guerra total.

Uma certa ilusão de que os apelos internacionais, ou de que uma quase inexistente ONU impediriam a estratégia de guerra desenhada por Israel e Estados Unidos trouxe uma paralisia diante do genocídio e apenas esparsas vocês tomaram ações mais duras, como o rompimento de relações com Israel.

Tudo isso animou israelenses e estadunidenses a seguirem adiante na estratégia de envolver o Irã numa guerra aberta, o que necessariamente traria Rússia e China e outros países que estão na Organização de Cooperação de Xangai e BRICs para um cenário sombrio diante da necessidade de defender um membro dessas organizações. Se o assassinato do líder do Hamas em Teerã há algumas semanas durante a posse do novo presidente iraniano já havia provocado temores de uma guerra aberta, o assassinato de Hassan Nasrallah no dia 27 de setembro, após Israel bombardear intensamente o sul do Líbano e a capital, Beirute, pode ter sido o evento decisivo onde a confluência dos dois campos de batalha mundiais com maior evidência podem vir a tornar-se um só.

É praticamente inevitável a resposta iraniana diante dessa escalada pois o preço que pagará – política e militarmente – caso não responda será alto demais. Diante da magnitude dos eventos que estamos vivenciando já não é mais possível a ingenuidade de acreditar em instituições como a ONU, ou nas palavras dos governos de Estados Unidos e Israel de que são ações necessárias para se proteger do “mal” que ronda “ordem mundial baseada em regras” ou a “democracia ocidental” ou qualquer uma dessas fantasias. É preciso um amplo movimento de massas que denuncie os crimes de guerra de Israel e Estados Unidos e o risco de uma guerra total e, talvez, nuclear como consequência da estratégia imperial de poder sobre o mundo.

*Anderson Barreto Moreira Pesquisador Instituto Front

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente reflete a linha editorial do Brasil de Fato.

 

Da Redação