Na mira de ruralistas, Marina Silva diz que cortes orçamentários têm afetado combate a queimadas

Brasil de Fato

Alvo frequente de integrantes da bancada ruralista, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, viveu, nesta quarta-feira (16), mais de três horas de uma acirrada sabatina diante de membros da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Tradicional trincheira de dominação da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), grupo que reúne representantes do agronegócio, o colegiado foi palco de um novo capítulo da intensa disputa em torno do salto no número de queimadas.

Em clima de alta tensão, bolsonaristas tentaram politizar a pauta e responsabilizar Marina Silva pelo problema, no que foram duramente rebatidos pela ministra. O segmento também disse, em diferentes momentos, que o governo não teria prevenido as queimadas e não estaria dando respostas à altura da situação.

Em sua fala inicial, ao apresentar uma cronologia de ações da pasta, a ministra disse que o trabalho de prevenção do problema começou no período de transição de governo, quando interlocutores da atual gestão agiram junto ao Congresso Nacional para tentar garantir o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O órgão, fundado em 1985, foi politicamente reconstruído em 2023 após ser alvo de um desmonte por parte do governo Bolsonaro em 2019. Marina Silva destacou que o orçamento do MMA saltou de R$ 931 milhões em 2019 para R$ 1,22 bilhão em 2023.

“Nós começamos, em janeiro de 2023, com a retomada da Comissão Interministerial de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas e também com a retomada do Fundo Amazônia, que havia ficado parado de 2019 a 2022. Já em fevereiro, conseguimos o início da construção do Plano de Ação para Manejo Integrado do Fogo no Pantanal, lançado em abril, em articulação com governos estaduais e com o Corpo de Bombeiros”, exemplificou, acrescentando que foi criada também a Secretaria Extraordinária de Combate a Desmatamento e Incêndios.

A titular do MMA mencionou ainda a edição da portaria que declarou estado de emergência ambiental no Mato Grosso do Sul, em abril deste ano, por conta do risco de incêndios florestais. “E por que é importante o ministério fazer isso antecipadamente? Para ter uma ação preventiva e dar base para que os governadores decretem a proibição de fogo nos seus respectivos estados.”

Ela também disse que as ações do ano passado para cá teriam sido fundamentais para evitar danos ainda maiores na atual crise ambiental.

“A gente pegou [o país com] o desmatamento numa tendência de alta de mais de 50%. Nós freamos isso – houve queda de 50% em 2023 e, este ano, uma queda de 45% em cima dos 50% – e já estamos com seis meses consecutivos de queda no desmatamento no Pantanal e também no cerrado. Por que eu estou dizendo isso? Porque, se não tivéssemos essa redução de desmatamento, a situação poderia ser incomparavelmente pior porque um dos vetores é o incêndio em função das derrubadas [de árvores]”, argumentou.

Ela sublinhou que, diante do cenário do país, seria preciso frear o desmate, prática costumeiramente associada à atuação de grandes fazendeiros, que avançam sobre áreas de vegetação para estender a produção de gado e afins.

“No caso do Brasil, o maior vetor é o desmatamento, e ele tem efeitos diretos porque, quando se tira a cobertura florestal de uma área até mesmo independente de mudança do clima, você pode ter baixa do lençol freático, perda de umidade e aumento da temperatura e do microclima daquela região”, explicou, ao indicar que o efeito dominó tem relação com as queimadas.

Embates

Conforme era esperado nos bastidores, os parlamentares bolsonaristas investiram ostensivamente na disputa de narrativa em torno da responsabilidade pela escalada das queimadas. A estratégia ficou por conta de nomes como Júlia Zanatta (PL-SC), Ricardo Salles (Novo-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Pedro Jr. (PL-TO).

Este último chegou a dizer que “o agronegócio é perseguido pelo MMA”, enredo que é um dos principais aspectos da queda de braço entre os dois polos políticos. “O setor agropecuário foi o que mais cresceu nas atividades. Peço à senhora que não trate o agro como inimigo”, acusou o aliado de Jair Bolsonaro (PL).

“Eu nem sei de onde vem isso. Eu me considero a maior amiga do verdadeiro agronegócio. Quando o ministro [da Agricultura Carlos] Fávaro diz que ele achava que o nosso maior ativo era ter tecnologia agrícola – e, de fato, temos –, era termos um povo vocacionado para a agricultura – e, de fato, temos –, era termos grande quantidade de área com terra fértil, com grande insolação e grande quantidade de recursos hídricos, mas que depois ele descobriu que o nosso maior ativo é um clima equilibrado, eu fico muito feliz em ver isso porque, durante a vida toda, eu e esse time que está aqui [assessores] lutamos para que o clima fosse equilibrado, apesar de toda a resistência que, no passado, eu vi acontecer por parte de alguns e que agora são novos convertidos. Eu celebro isso”, rebateu Marina, que, em outro momento, disse ainda que a Câmara tem “ambientalistas de conveniência”.


Deputado Evair de Melo (PP-ES), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara e aliado de Jair Bolsonaro / Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

A ministra também ressaltou que as políticas ambientais do atual governo têm ajudado o setor do agronegócio a se reposicionar e se expandir diante do mercado mundial. “Os verdadeiros amigos do agronegócio são aqueles que não permitem que o agro brasileiro seja associado ao desmatamento. Uma ascendência de mais de 50% no desmatamento, como eu encontrei, é algo que depõe contra o agronegócio [no mundo]. Ter reduzido o desmatamento em mais de 60% em um ano e oito meses de governo foi algo que fez com que conseguíssemos abrir mais 200 novos mercados para o agro brasileiro, ainda que ninguém reconheça isso”, citou.

Orçamento

A ministra fez referência ainda ao contexto orçamentário em que está inserido o MMA e lembrou que órgãos e políticas ligados à pasta foram alvo de contingenciamento a partir de decisões do Congresso. Ela mencionou, por exemplo, a situação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

“No projeto de lei do orçamento de 2024, foram solicitados, de parte do ICMBio, cerca de R$ 112,7 milhões para as ações de fiscalização ambiental e prevenção e combate a incêndios. O Ibama solicitou também recursos para suas ações de prevenção da ordem de R$ 65,7 milhões, num total de R$ 178,4 milhões. O Congresso aprovou cerca de R$ 98 milhões para o ICMBio, 13,8% menos do que nos solicitamos. A mesma coisa ocorreu em relação ao Ibama: foi feito um corte no Congresso de R$ 4,6 milhões dos R$ 66 milhões que havíamos pedido. O total ficou em R$ 160 milhões para o ICMBio e o Ibama do montante que nós havíamos pedido. Houve redução aqui no Congresso de R$ 18,4 milhões”, mencionou a ministra.

“Obviamente que precisamos ampliar os recursos, mas o que precisamos mesmo é que, quando chegue o período da estiagem, as pessoas não coloquem fogo, porque senão ficaremos pegando o dinheiro público e usando para algo que preventivamente se poderia fazer [evitar]. [O que precisamos é], literalmente, não colocar fogo. No caso do Pantanal, todos os incêndios foram em função de ação humana”, realçou a ministra.

Comissão

Marina Silva foi ouvida na comissão após a aprovação de um requerimento assinado pelos deputados Rodolfo Nogueira (PL-MS) e Evair Vieira de Melo (PP-ES), sendo este último o presidente do colegiado e figura com quem a ministra viveu diferentes momentos de exasperação ao longo da audiência. O parlamentar, que foi um dos vice-líderes do governo Bolsonaro na Casa, chegou a romper o protocolo da sessão em diferentes momentos, dirigindo acusações a ela.

Ao final da sessão, Melo, mais uma vez, quebrou a liturgia e encerrou a audiência criticando a titular do MMA e, sem se despedir formalmente da ministra, o que não é comum no rito do Congresso Nacional, onde, em geral, os parlamentares que presidem esse tipo de agenda costumam manter certo distanciamento das críticas para mediarem os debates entre o convidado e os demais deputados.

“Acho que a narrativa dele de tentar culpar a ministra pelas queimadas e de atacá-la o tempo todo é algo que não vai pegar porque, inclusive, muitos dos que querem colar nela essa imagem estão entre os que protagonizaram o chamado ‘dia do fogo’ e as queimadas e, ao mesmo tempo, a desestruturação das políticas [ambientais]”, avaliou, por exemplo, o deputado Bohn Gass (PT-RS), um dos que participaram da sabatina.

Da Redação