Empresa no Rio Grande do Sul adota ‘experimento’ e metalúrgicos passam a operar três máquinas ao mesmo tempo

Brasil de Fato

“A empresa cresceu muito nos últimos três anos e isso nos tem custado muito caro. Cada trabalhador passou a operar três máquinas ao mesmo tempo. Estamos exaustos. Se a gente não cumprir o que eles querem, nos demitem. Bem assim”. Essa é a rotina relatada ao Brasil de Fato, sob condição de anonimato, por um grupo de funcionários da Viemar Automotive, localizada na RS-118, em Viamão (RS), a 40 minutos da capital Porto Alegre (RS).

A empresa que fabrica peças automotivas viu seus lucros aumentarem com o avanço da covid-19. Os metalúrgicos relatam que por conta de peças chinesas e de outros países não estarem mais chegando ao Brasil durante a pandemia, a fábrica em que trabalham deu um salto exponencial nos números de pedidos e consequentemente nos lucros.

A boa fase da empresa e a alta demanda geraram contratações e investimentos em alguns setores da fábrica, mas operadores de máquinas narram sobrecarga após adoção de um ‘experimento’ que mudou a dinâmica do trabalho. Anteriormente, dois metalúrgicos operavam três máquinas no segundo turno de trabalho. Desde a adoção do experimento, apenas um trabalhador opera três máquinas. O setor é dividido em três turnos – manhã, tarde e noite.

No processo de usinagem – setor em que as peças recebem forma, dimensões e/ou acabamentos – cada trabalhador está sendo orientado a operar três maquinários concomitantemente. O ciclo de funcionamento das máquinas tem duração de apenas 20 segundos, conforme dita o ritmo industrial das esteiras.

Os funcionários explicam que esse setor era ocupado por 12 operadores atuando em linha de montagem, mas agora restam apenas sete. “Quem não cumpre as determinações da empresa precisa sair”, informam. “Trabalhamos o tempo todo em ritmo acelerado e sob ameaças de advertências”, desabafa um dos funcionários.

Além da ilegalidade do assédio moral e da sobrecarga, as práticas podem ocasionar acidentes e gerar doenças físicas pelo uso indevido das máquinas, e doenças emocionais pelo alto nível de estresse.

A gravidade de acidentes e doenças se amplifica ainda mais devido ao ambiente de trabalho de um metalúrgico – geralmente confinado em locais com altas temperaturas, grande volume de peças em movimento, maquinário operando em ritmo acelerado, ruídos altos, máquinas de prensa, de cortes, caldeiras e fornos com ferro derretido, fagulhas incandescendo salas inteiras e cheiros tóxicos. “Sim, tem muitos cheiros no ar – de ferro, de tinta, de borracha. Uma mistura de muitas coisas, pois trabalhamos num prédio gigante sem repartições e divisórias na fábrica”, explicam os funcionários.


A gravidade de acidentes e doenças se amplifica ainda mais devido ao ambiente de trabalho de um metalúrgico / Reprodução/Istock

Conforme os relatos dos metalúrgicos, existem pessoas que adoecem pelo ritmo excessivo e o trabalho repetitivo. Dores crônicas também são narradas pelos trabalhadores. Eles informam que a Viemar possui um técnico de segurança, “mas que só pensa no lucro da empresa. Não tem sentimentos por nenhum de nós”, desabafam. A prática da sobrecarga vai de encontro com a própria legislação que rege a prevenção de acidentes de trabalho.

As denúncias chegaram alguns dias depois da data em que é celebrado o Dia Nacional da Prevenção de Acidentes do Trabalho, em 27 de julho. A data serve para alertar empregados, empregadores, governos e sociedade civil para a importância de práticas que reduzam o número de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho e que promovam um ambiente seguro, e operações saudáveis em todos os setores produtivos.

De acordo com o diretor de Saúde e Previdência do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre (STIMEPA), Marcelo Nascimento, a maior preocupação é com a saúde dos trabalhadores. “É tanto responsabilidade dos empregados quanto da empresa manter ambientes e processos de trabalho saudáveis. Assim, os funcionários estão fazendo a sua parte denunciando o processo insalubre. Agora, compete à empresa rever e negociar melhores condições, inclusive com a contratação de mais operadores, para preservar a segurança no trabalho e a saúde dos trabalhadores”, ressalta Marcelo.

O sindicalista explica que a participação dos funcionários é essencial no processo de identificação das situações de riscos presentes nos ambientes de trabalho, assim como as repercussões dos riscos sobre a sua saúde. “Nesse sentido, é também papel do Sindicato levar essa denúncia adiante em busca de uma solução para o problema”, completa.

Segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), o setor de fabricação de peças e acessórios para o sistema de direção e suspensão de veículos automotores, do qual a Viemar faz parte, registrou 4.557 acidentes de trabalho em 2022 em todo o país. Desses acidentes, 24,6% representam contusões e esmagamentos (992 registros desse tipo de acidente); 24,2% representam cortes, laceração, ferida contusa (975 registros); 19,3% são fraturas de todos os tipos (779 registros).

Apenas no primeiro trimestre de 2024 foram registradas duas mortes em metalúrgicas do Rio Grande do Sul. Em 16 de fevereiro, um funcionário da Forja São Leopoldo faleceu em um acidente durante o expediente. O homem de 57 anos foi perfurado com estilhaços de metal. Já em 18 de março, pouco mais de um mês, um acidente na Metalúrgica Mor tirou a vida de um trabalhador em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, a 150 km de Porto Alegre. A principal suspeita é de que o funcionário tenha sido esmagado por uma máquina.


Apenas no primeiro trimestre de 2024 foram registradas duas mortes em metalúrgicas do Rio Grande do Sul / Banco de Imagens/Istok

Entenda o caso

A denúncia foi feita por funcionários dos três turnos da Viemar Automotive e pelo Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre que temem que o experimento aplicado no segundo turno se torne uma prática geral.

O diretor de saúde do STIMEPA de Viamão, Alvorada e Glorinha, Marcelo Nascimento, conta que a Viemar Automotive cresceu bastante durante os anos mais duros da covid-19. Como durante a pandemia não chegavam componentes da China e nem de outros países para o Brasil, a Viemar, que fabrica peças automotivas, deu um salto na questão de pedidos. Em 2020, passou de 300 funcionários para 700 em 2024.

Segundo Marcelo, o crescimento dos lucros não veio acompanhado de melhorias de trabalho. Pelo contrário, a empresa resolveu fazer um teste com os trabalhadores do segundo turno. Cada funcionário está operando três máquinas ao mesmo tempo durante todo o expediente.

“Para a empresa, o experimento está dando certo, já que ela só pensa no lucro. Ela não olha para a saúde do trabalhador. Eles (Viemar) aumentaram a carga e o nível de cobrança desses metalúrgicos, mas não aumentaram os salários e nem contrataram mais funcionários para esse turno. Quem paga a conta são os trabalhadores”, explica Marcelo.


O sindicalista explica que a participação dos funcionários é essencial no processo de identificação das situações de riscos presentes nos ambientes de trabalho / Reprodução/Pexels 

O diretor de saúde conta que a empresa funcionava em uma escala 5×2 (de segunda a sexta-feira e folgava no sábado e domingo) e agora passou a operar no 6×1 (de domingo à noite até sexta-feira e folga no sábado).

Marcelo informa que operadores mais antigos não aguentaram o nível de trabalho que veio com as mudanças e acabaram saindo da empresa. “E a Viemar não contratou ninguém para substituí-los. O que pesou ainda mais para quem ficou”, completa.

“Com a demanda aumentando a Viemar começou a ficar assim, exploradora. Antes, não era tanto”, afirmam os metalúrgicos.

Segundo o sindicalista do STIMEPA, se os trabalhadores não reclamarem, a metalúrgica dará o experimento como um sucesso e vai implementar as mesmas cargas para os turnos um e três. “Nós brigamos para que eles [empresa] não façam o mesmo nos outros turnos e contratarem mais pessoas para o segundo”, afirma Marcelo.

“O sindicato já teve que acionar o Ministério Público do Trabalho quando adotaram a escala 6×1. Nós tivemos que ir até lá para garantir alguns direitos. Conseguimos o direito ao abono, aumento no vale alimentação, quase nada de aumento no salário, mas tivemos que ir até o MPT para isso. E depois de tudo, vieram com esse experimento”, relata Nascimento.

Para o diretor, a forma correta e segura de trabalho seria um operador por máquina. Os funcionários afirmam que a longo prazo a medida é prejudicial. “Com esse ritmo de trabalho, acidentes vão começar a aparecer, pessoas vão adoecer. O nível de estresse que enfrentamos já está muito alto”, desabafam os metalúrgicos.

De acordo com Marcelo, “a gente briga por uma redução na carga horária e a empresa apenas aumenta. Eles até diminuíram uma hora da jornada, mas o tempo que se gasta no trânsito, indo e voltando, não fez diferença”, explica.

Conforme o Sindicato, a Viemar não informou uma data para encerrar o teste que teve início em maio deste ano. Chegado agosto, os trabalhadores continuam sem uma perspectiva de encerramento. Os metalúrgicos afirmam que “não é possível fazer esse teste por um ano com esse ritmo de trabalho. Estamos exaustos, com a saúde física e mental abaladas. Não está dando mais”, afirmam.

O diretor de saúde do STIMEPA conta que a metalúrgica oferece equipamentos de proteção e possui um segurança do trabalho e um médico, “mas o médico do trabalho faz o que a empresa quer, não faz o serviço que precisa ser feito. Os médicos da empresa não notificam os trabalhos na empresa. Isso pode ser um foco de denúncia maior. Os médicos estão ali apenas para passar pano e servir à empresa. Eles não se preocupam com a saúde do trabalhador”, critica Marcelo.

Viemar Automotive também se pronuncia

O Brasil de Fato conversou com a assessoria de comunicação da Viemar Automotive, que negou haver aumento excessivo de trabalho. Segundo a metalúrgica, esse é um modelo novo e em análise. 

A empresa também diz que o protótipo geralmente apresenta uma operação “gargalo”, aquela que não pode parar e que demanda o maior tempo de produção – “é ela quem dita a velocidade. Assim, de nada adianta as três estarem operando, porque iria gerar um excesso de estoque na linha”, explica a empresa, em nota.

Neste modelo, de acordo com o documento enviado, também o operador deixa de fazer algumas atividades que realizava antes, como a inspeção das peças (controle de qualidade), o setup e a parte logística. “Esta prototipagem está ocorrendo em 3 linhas de produto, no segundo turno da operação”, afirmam.

A respeito da escala 6×1, criticada pelo Sindicato, a nota aponta que a nova jornada já está implantada e acordada com o STIMEPA, que mantiveram-se as mesmas horas semanais e que o sábado já era compensado na jornada 5×2. “A Viemar Automotive não tem qualquer interesse em sobrecarregar os colaboradores, justamente por priorizar as vidas humanas em todo o processo. Ademais, qualquer afastamento por acidente de trabalho ou mesmo doenças do trabalho em nada interessam à empresa”, afirma.

Confira o que diz a nota na íntegra:

A Viemar Automotive iniciou em 2022 as atividades em uma nova planta industrial, no município de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Na verdade, não aumentaram as importações para a empresa – ela ganhou, sim, mais mercado, em função de as demais marcas que operam no Brasil serem predominantemente importadoras. Como a Viemar é uma empresa familiar e uma das poucas indústrias nacionais de componentes para suspensão, direção e freios, trabalhando com mão de obra e matéria-prima brasileiras, ela conseguiu crescer no pós-pandemia. Isso fez com que mais pessoas fossem contratadas, certamente. Interessante destacar que, apesar de várias ofertas para compra, a Viemar mantém-se familiar e focada na indústria brasileira, gerando emprego e renda.

O falado experimento na verdade é um protótipo de um modelo de produção por células produtivas, onde um operador opera três máquinas – onde antes eram dois a operar três máquinas. O que é preciso deixar bem claro é que este protótipo geralmente apresenta uma operação “gargalo”, aquela que não pode parar nunca e que demanda o maior tempo de produção. É ela quem dita a velocidade. Assim, de nada adianta as três estarem operando, porque iria gerar um excesso de estoque na linha. Neste modelo, também o operador deixa de realizar algumas atividades que realizava antes, como a inspeção das peças (controle de qualidade), o setup e a parte logística. Esta prototipagem está ocorrendo em 3 linhas de produto, no segundo turno da operação.

Como é um protótipo, o novo modelo está em análise. Essa modelagem está sendo acompanhada tanto pela Engenharia de Processos como pela área de Segurança do Trabalho, de Gestão da Mudança e Gente e Cultura, com verificações constantes e in loco.

Na verdade, não há nem pressão – apenas um novo modelo de trabalho – e tampouco um trabalho exaustivo, a ponto de a produtividade deste protótipo não obedecer aos mesmos critérios e níveis do modelo atual. A Viemar Automotive não tem qualquer interesse em sobrecarregar os colaboradores, justamente por priorizar as vidas humanas em todo o processo. Ademais, qualquer afastamento por acidente de trabalho ou mesmo doenças do trabalho em nada interessam à empresa.

Conforme falamos, não há aumento excessivo de trabalho. E, com relação à nova jornada 6×1, que já está implantada e acordada com o Sindicato, manteve-se as mesmas horas semanais – tanto que o sábado já era compensado na jornada 5×2. O que houve foi um balanceamento de jornada, com a inclusão do sábado. Para conhecimento, mais de 50% dos funcionários hoje atuando iniciaram na nova jornada, em função do aumento dos postos de trabalho.


Da Redação