Prefeitos precisam viabilizar universalização do saneamento pressionados por privatizações
Brasil de Fato
A população do Brasil vai às urnas no domingo (6) para escolher os prefeitos de 5.570 municípios. Os eleitos terão a responsabilidade de encaminhar durante os próximos quatro anos soluções para a universalização do serviço de água e esgoto em suas cidades.
O Novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em julho de 2020, estabeleceu que o país tem até 2033 para garantir água tratada a 99% de sua população e esgotamento sanitário a 90%. Reforçou também que a responsabilidade sobre isso, em última instância, é dos prefeitos de cada município brasileiro.
Segundo o Censo de 2022, a rede de esgoto brasileira atende somente 62,5% da população. Isso significa que ainda há muito trabalho a ser feito.
Expandir essa rede não é tarefa simples. Exige obras nem sempre triviais e tempo para executá-las. Por isso, dependerá de decisões tomadas já nesta próxima gestão o cumprimento de objetivos agora fixados em lei.
Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), reconhece que a responsabilidade é grande. Ele ressalta, no entanto, que “atalhos”, como a privatização dos serviços, não são a melhor solução, muito menos devem ser vistos como uma oportunidade para arrecadar.
“Temos assistido a uma grande pressão para a privatização do saneamento no Brasil. O argumento é que sem a participação privada não haverá recursos para atingir as metas definidas na legislação”, escreveu ele, em artigo sobre a importância do saneamento nestas eleições. “Os processos de privatização mostram que os governantes estão interessados em obter grandes somas de recursos com o recebimento de outorgas.”
Segundo Silva, antes mesmo das eleições, cidades importantes do país optaram por privatizar seu serviço de água e esgoto pensando nos prazos do Marco de Saneamento. O maior município do país, São Paulo, já aderiu à privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), consumada em 2022.
Em vários outros municípios, no entanto, a decisão sobre o futuro do sistema de saneamento caberá aos novos prefeitos. Silva recomenda que os eleitos estudem experiências já existentes em cidades brasileiras antes de tomar sua decisão.
“Para aqueles que creem que a privatização é a panaceia para enfrentar todos os desafios do saneamento, basta dar um ‘google’ para ver o que vem acontecendo no Rio de Janeiro, em Alagoas, em Manaus, por exemplo”, listou. “Aumentos abusivos de tarifa, ‘invasão’ de residências para troca de hidrômetros, falta de água, contratos sem previsão de atuação frente aos impactos da emergência climática e falta de planos de contingência para enfrentamento da crise hídrica.”
De acordo com Silva, em Manaus, após 20 de anos de prestação de serviços, parte da população continua sem acesso à água e índices de tratamento de esgoto são pífios.
Carta compromisso
O Ondas emitiu uma carta compromisso pedindo ações dos prefeitos eleitos para melhoria dos serviços de saneamento no país. No primeiro ponto do documento, a entidade cobra “a criação, fortalecimento e/ou consolidação na Administração Pública de instrumentos para acompanhamento, regulação e participação no desenvolvimento das ações e serviços públicos de saneamento básico”, dando recado contra a privatização.
A carta também pede a criação de mecanismo de controle social do serviço água e esgoto, de fundos municipais para o assunto e de políticas de garantam “acessibilidade econômica compatível com a capacidade de pagamento das tarifas pela população de seu município, indistintamente de sua condição social”, entre outras coisas.
A ideia do Ondas é que candidatos incorporem esses princípios em suas campanhas.
Debates municipais
Em São Paulo, o candidato a prefeito Guilherme Boulos (Psol) já criticou a privatização da Sabesp, sinalizando uma possível rediscussão do processo caso seja eleito. Boulos lidera algumas pesquisas eleitorais na capital.
Já Altino Prazeres Jr. (PSTU) deixa claro que pretende reverter a privatização. “A primeira coisa que a gente tem que fazer é dizer que nós não temos acordo e fazer um processo de mobilização na cidade de São Paulo contra a privatização da Sabesp”, disse, em sabatina promovida pelo Brasil de Fato, em agosto.
Amauri Pollachi, conselheiro do Ondas e especialista em saneamento e recursos hídricos, disse que estas eleições trouxeram debates acalorados sobre saneamento também em Jaguariúna (SP) e Ouro Preto (MG) após circularem propostas de privatização.
Números e cifras
A organização Trata Brasil também emitiu uma cartilha para candidatos a prefeito sobre saneamento. De acordo com a entidade, a universalização do serviço pode trazer custos de R$ 455 bilhões para governos até 2040, além de R$ 183 bilhões para famílias. Trará, no entanto, benefícios de R$ 815 bilhões para a sociedade.
Seria possível economizar de R$ 25,1 bilhões com a melhoria das condições de saúde da população, lucrar R$ 80 bilhões com ganhos no turismo e arrecadar R$ 44,5 bilhões em impostos sobre os serviços prestados.
Segundo o Trata Brasil, a universalização do esgoto reduziria de 22,7% no percentual de desigualdade de renda no país, tiraria 17,3 milhões de pessoas da condição de pobreza e melhoraria em 12% o desempenho escolar.