Evo Morales falta a depoimento na Bolívia em investigação por suposto estupro

Brasil de Fato

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales não compareceu para depor nesta quinta-feira (10) na Delegacia Geral de Polícia de Tarija. Morales é acusado de “estupro e tráfico de pessoas” por manter relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente e, de acordo com a denúncia, ele teria tido uma filha com a adolescente em 2016.

Segundo a defesa de Evo, “não há garantias” de que o depoimento fosse feito dentro do “processo legal”. De acordo com jornais bolivianos, aliados do ex-presidente na cidade de Tarija indicaram a possibilidade de ataques contra Morales. O comandante da Polícia da cidade, José Illanes, disse ter destinado um efetivo de 620 policiais para atuar durante o depoimento de Evo, que estava marcado para às 16h no horário de La Paz (17h no horário de Brasília).

Um dos advogados da defesa, Jorge Pérez, apresentou um documento nesta quinta ao Ministério Pública explicando a ausência de Evo. 

De acordo com a lei boliviana, caso ele não se apresentasse para depor, a Justiça poderia determinar uma ordem de captura para que Morales deponha. O ministro da Justiça, César Siles, reforçou nesta quarta-feira que Evo estaria sujeito à prisão caso não comparecesse. 

O objetivo da defesa do ex-presidente é transferir o julgamento para Cochabamba, cidade onde vive Evo Morales, usando um artigo do Código de Processo Penal que faz referência ao “juízo natural”, ou seja, o direito de ser processado na jurisdição em que vive. Para o advogado Jorge Pérez, o processo “nasceu morto” por ter sido encerrado em 2020.

Evo Morales voltou a criticar a investigação e vincular o processo com o presidente Luis Arce. Segundo o ex-mandatário, as acusações são “inventadas” e tem como objetivo forçar um processo criminal.

“Ao reabrir um caso encerrado e utilizado pelo governo interino de (Jeanine) Añez, violando as leis nacionais, a Constituição e o Direito Internacional, o governo de Luis Arce está forçando um processo criminal. Ao inventar acusações, desrespeitar as leis e com a cumplicidade dos assassinos da justiça, querem nos prender e acabar com as nossas vidas”, disse.

Ele afirmou que Morales já havia sido investigado pelo mesmo caso em 2020, durante o governo interino da ex-deputada Jeanine Añez e que “não foi provado nada”. Durante o mandato da deputada de extrema direita, foram abertos 29 processos contra Evo Morales incluindo acusações de genocídio, terrorismo, estupro e assassinato. Ele deixou o país e se exilou na Argentina durante 2020 e retornou um dia depois da posse de Luis Arce, que havia sido ministro da Economia de Evo. 

Ainda de acordo com o ex-presidente, “essa é mais uma prova de que este é um governo de direita que tudo faz para cumprir o mandato da Casa Branca”.

De acordo com a legislação, caso Morales seja considerado culpado ele teria uma pena máxima de 20 anos de prisão porque a lei do país determina que não podem ser acumuladas penas por diferentes delitos. Por isso, seria considerada apenas a condenação mais grave, nesse caso, tráfico de pessoas. Se entender que há elementos suficientes contra o ex-presidente, o Ministério Público pode pedir a prisão preventiva até que termine o julgamento.

O presidente do Movimento Al Socialismo (MAS) em Tarija, Carlos Acosta, afirmou que, caso seja emitido um mandado de prisão contra Evo, pode ser convocada uma greve nacional até a renúncia do presidente Luis Arce. “Ficamos aqui felizes em receber o irmão Evo Morales para que cumpra o que foi decidido, mas infelizmente não há garantias”, disse. 

Morales foi presidente da Bolívia de 2006 a 2019. Ele disse que a tentativa de prendê-lo vem da “traição” e comparou seu caso com a prisão de Lula no Brasil e com a condenação da ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Segundo ele, a denúncia é uma “outra mentira” com o objetivo de tirá-lo do processo eleitoral de 2025. 

A investigação

Evo Morales é acusado de manter relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente. De acordo com a acusação, ele teria tido uma filha com a adolescente em 2016. O responsável pela denúncia foi o procurador-geral, Juan Lanchipa.

Além do ex-presidente, os pais da jovem também vão prestar depoimento. Morales ainda foi acusado pelo ministro da Justiça, César Siles, de criar uma rede de jovens de 14 a 15 anos para ter a sua disposição enquanto era presidente. O ministro disse que esse grupo seria chamado de “Geração Evo”. Os pais da jovem também estariam sendo investigados porque supostamente receberam dinheiro ao entregá-la ao ex-presidente em troca de favores.

O caso foi aberto pela procuradora do Estado de Tarija, Sandra Gutiérrez em 26 de setembro, 3 dias depois de Evo organizar uma marcha que pedia a renúncia de ministros “corruptos”. Ela determinou uma ordem de captura contra o ex-presidente. A medida foi anulada por uma juíza da cidade de Santa Cruz de la Sierra, que deu um recurso em favor de Morales depois de um pedido da defesa do ex-presidente.

Em 2 de outubro, Sandra Gutiérrez chegou a ser afastada das suas funções por Lanchipa por querer executar uma ordem de captura contra Evo, mas uma ação judicial autorizou que ela retornasse ao cargo.

Disputa com Luis Arce

Evo chamou de traição a relação com o atual presidente Luis Arce. O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo depois de voltar do exílio na Argentina. Morales começou a criticar algumas decisões de Arce e seus apoiadores e começou a disputar espaço pela candidatura do Movimento Al Socialismo (MAS) nas eleições presidenciais de 2025.

O estopim da desavença, na corrida pela liderança do MAS, se deu em outubro de 2023, quando Morales organizou um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é berço político e reduto eleitoral do ex-presidente. No evento, ele chamou os apoiadores de Luis Arce de “traidores”.

Agora, a corrida pela candidatura nas presidenciais está permeada por uma decisão da Justiça boliviana. O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou em dezembro de 2023 que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não. 

Essa era uma lacuna que já existia na Constituição boliviana. Antes, a Carta Magna afirmava que o presidente não poderia exercer o cargo por mais de dois mandatos, mas não especificava se eram seguidos ou não. Com a sentença judicial 1010, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.

No entanto, um novo Tribunal Constitucional será eleito em dezembro. Os apoiadores de Evo consideram que, com novos juízes, essa norma poderia cair e Evo poderia voltar a ser candidato em 2025.

Da Redação