‘Reformas trabalhista e previdenciária produzem fome’, alerta pesquisador sobre o problema em São Paulo
Brasil de Fato
“A concentração da pobreza nas grandes metrópoles é a concentração da fome nas grandes metrópoles”, alerta o geógrafo José Raimundo, que há cerca de 20 anos estuda a fome.
Mesmo com a experiência no tema, ele se surpreendeu com o resultado do 1º Inquérito sobre a situação alimentar no município de São Paulo, publicado em setembro. O documento aponta que mais da metade da população da capital paulista enfrenta algum grau de insegurança alimentar.
Isso significa que, na cidade mais rica do país, 5,8 milhões de pessoas têm dificuldade para ter acesso a uma alimentação saudável e variada. Enquanto 12,5% da população de São Paulo passa fome, a capital continua somando o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
Coordenador da pesquisa que resultou no inquérito, Raimundo explica que uma pessoa em insegurança alimentar “está, pelo menos, preocupada em não ter recursos suficientes para se alimentar até o fim do mês”.
Considerando os casos graves, são cerca de 1,4 milhões de pessoas sem acesso a alimentos para garantir o sustento básico e necessário. Isso é o equivalente à população de Goiânia, e três vezes mais que a média nacional.
“A gente sempre se assusta com o quão desigual pode ser a nossa sociedade, porque o nosso imaginário nos faz crer que a fome está sempre longe”, diz.
A pesquisa, feita por domicílios, não considerou a população de rua nem moradores de áreas rurais, concentrando-se nas moradias da área urbana do município. “De todos os domicílios que estão em situação de fome, 72% então nas áreas mais periféricas”, explica o pesquisador. Dos 28% restantes, uma parte está no centro da cidade, onde 41 mil pessoas passam fome.
Segundo o inquérito, a informalidade, a instabilidade e o desemprego estão associados a maiores índices de insegurança alimentar. Os lares chefiados por trabalhadora doméstica ou por trabalhadores temporários ou que fazem bicos apresentaram os maiores índices de fome.
De acordo com a pesquisa, “em uma realidade em que quase a totalidade dos alimentos são adquiridos de forma monetária, quanto menor a renda domiciliar per capita, maior a probabilidade de o domicílio estar submetido a algum grau de insegurança alimentar”. 70% dos domicílios onde as pessoas passam fome no município têm renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo.
“A informalidade no mercado de trabalho é algo que produz fome. Com dados anteriores, eu vinha indicando isso. A reforma trabalhista produz fome, a reforma previdenciária produz fome, essas reformas produzem fome”, avalia Raimundo, que alerta para o ciclo dessa dinâmica. “A pessoa que não tem certeza se vai ter o que comer, ela se submete com mais facilidade a trabalhos precários”, ressalta.
O 1º Inquérito sobre a Situação Alimentar é uma parceria entre o Comusan-SP (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional), o Obsanpa (Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo) e pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do ABC (UFABC).